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LUIZ FELIPE PONDÉ
Andréia Três
Esperava congelada alguma indicação de que a hora da infâmia estava para acontecer
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A NDRÉIA SOFRERA muito nos
últimos dias. Darei apenas
um breve esboço dos acontecimentos e, mesmo assim, omitindo
alguns detalhes a fim de poupá-la de
ainda mais agonia. Ela estava só.
Rompera com o noivo, recusara
convites de amigos, deixara de vez o
emprego.
Vejamos os fatos que aconteceram depois da última vez que a vimos, e o leitor tirará suas próprias
conclusões.
Seu medo aumentara na medida
em que nascia nela o desejo de dizer
"Quero este homem para mim!".
Seu noivo, paralisado pelo desejo de
agradá-la, lhe dava nojo. Descobrira
uma verdade ancestral, mas insuportável: "Homens que querem
agradar são ridículos! Serei masoquista?". Este era um trabalho para
sua analista. Entretanto, sua analista era uma mulher de 50 anos, separada e solitária. Seu rosto brilhava
com o brilho cremoso do pânico
diante da idade. Como ela poderia
ajudá-la? Ceticismo e crueldade é
uma mistura infeliz. Ela precisava
controlar seu cinismo.
Suas amigas pareciam todas seguras dos sentimentos e fidelidades.
Saber disso aumentava o desespero
de nossa heroína que caminhava a
passos largos para o pior de todos os
encontros: com a temida mulher
descontrolada que via no espelho.
Mas esse descontrole era uma mistura de fraqueza e força. A fragilidade surgia diante do gesto, da palavra,
da presença daquele homem indiferente. A força era sua indiferença
para com o que os outros pensariam.
Pagou caro por isso.
O sentimento de que poderia, afinal, ser apenas uma mulher vulgar,
perdida entre o ideal contemporâneo da mulher livre e o atavismo da
escravidão ao seu sexo, aumentara
desde nosso encontro último com
ela no elevador há alguns dias atrás.
Aliás, vale lembrar que, ao sair do
elevador, com sua calça justa e seu
pânico diante "das forças do destino", Andréia teve ainda que enfrentar um convite inesperado do "indiferente": "Vamos tomar uma cerveja hoje no final do dia?".
Desta vez, não apenas o suor escorreu pelo corpo, a saliva lhe encheu a boca. Definitivamente, havia
nela um animal desconhecido começando a falar. Seria esta uma
nova linguagem a aprender no futuro? Correu para o banheiro, e diante
do espelho, sentindo o gosto da
saliva na boca e, com o batom entre
os dedos, sorriu para este animal
inesperado.
Voltando à sua mesa, em meio a
ouras mesas, Andréia sentia-se nua.
Os sons eram estranhos, os olhos estavam sobre seu corpo. O que, afinal,
estaria o seu corpo traindo? Um movimento descontrolado? Um gesto
finalmente solto, depois de tantos
anos querendo descobrir como deveria se comportar no mundo?
As horas do dia se arrastavam. Depois do rápido convite chegando ao
13º andar, o "indiferente" nada mais
dissera, aumentando nela o sentimento de que um segredo infame
nascia entre eles. A idéia de que ela
fosse capaz de uma infâmia já não
lhe assustava mais. O "indiferente"
não lhe dirigiu um único olhar ao
longo do dia.
Ali estava o sentido do seu pesadelo, na noite anterior, quando se via
morta, no caixão, ouvindo as pessoas lhe humilhando: nada a impediria de ser infiel e, portanto, ela era
uma mulher infame. Tinha plena
consciência do que estava fazendo:
sabia que diriam que ela estava pensando na carreira, que ela não merecia o namorado que tinha e que só
uma mulher infame sairia com um
homem casado cuja esposa estava
grávida.
Passava das 20 horas. Todos
saíam. Andréia, parada, olhando o
vazio, esperava congelada alguma
indicação de que a hora da infâmia
estava para acontecer. De repente:
"Andréia, venha na minha sala, por
favor". Ela se levantou.
No caminho, olhou nos olhos de
uma colega de trabalho, feia e sozinha. Do rosto da feia escorria a inveja. E a inveja não perdoa a beleza.
Rumores dão como certo que foi a
inveja que destruiu Andréia. Alguns
estão certos de que ela mereceu. Teria a feia seguido o casal infame?
Ela entrou. Com as mãos no bolso
da calça justa, sabia que não havia
mais retorno.
"Então, quer tomar algu-
ma coisa?"
"Vamos"
"É melhor não irmos aqui perto...muita gente conhecida..."
"Claro!"
"Você tem compromisso hoje?"
"Não, desmarquei tudo..." Percebeu que falara demais.
A partir daí, caro leitor, eu, que por
uma ironia do destino fui testemunha destes fatos, farei silêncio.
Amores secretos devem permanecer em segredo. Direi apenas que vi
os dois naquela noite. Tive a impressão de que ela chorava. A mão dele
pousada sobre a dela indicava, finalmente, a posse.
luiz.ponde@grupofolha.com.br
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