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"O ISLÃ"
O diálogo desarmando o choque de civilizações
JAIME SPITZCOVSKY
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Osama bin Laden, se não
conseguiu abalar os alicerces
do império como esperava, acabou disparando uma das mais intensas mobilizações da história
para explicar o islamismo aos ocidentais.
Vítima antiga de preconceitos e
de simplificações maniqueístas, a
segunda maior religião do planeta
teve ainda de enfrentar a avalanche de idéias preconcebidas alimentadas pelos atos tresloucados
do terrorista saudita.
O livro "O Islã", da coleção "Folha Explica", surge exatamente no
bojo desses esforços para separar
o joio do trigo e para lançar golpes
de razão num debate muitas vezes
ameaçado de sequestro pela emoção.
Paulo Daniel Farah, jornalista
da Folha, autor do livro, se mostra
disposto a desarmar a "confusa e
frágil teoria do choque de civilizações" e, para iniciar a esgrima, escolhe como epígrafe uma citação
de Mohamad Khatami, presidente do Irã.
Embora lidere um país com
uma diplomacia longe de poder
ser chamada de flexível, Khatami
ganhou notoriedade por preconizar "um diálogo sincero de civilizações", tese sedutora num início
de século torpedeado pelos vendedores de idéias baseadas na incompatibilidade de convivência
pacífica entre diferentes espaços
culturais e religiosos.
Ao longo do livro, Farah atravessa diferentes aspectos do Islã, a
fim de minar os preconceitos que
cercam a religião e de mostrar que
terroristas islâmicos buscam "inspiração" em leituras distorcidas
de textos sagrados.
No Brasil
Os capítulos escritos por Farah
pulam de temas como a história
do profeta Muhammad a aspectos contemporâneos, entre eles a
presença muçulmana no Brasil, a
era pós-colonização e os conflitos
atuais, com especial destaque para situação no Oriente Médio.
O jornalista reserva ainda algumas páginas para iluminar a influência árabe no idioma português, listando palavras como nuca, fulano, xarope, moleque, sorvete e talco.
Outro termo destacado por Farah é o salamaleque, versão aportuguesada da expressão "Assalam
aalaika" ("Que a paz esteja com
você").
Para os iniciantes no mundo do
Islã, o livro traduz com didatismo
termos atualmente frequentes no
noticiário internacional. Explica
as diferenças entre fundamentalismo e extremismo, além de destrinchar conceitos como xiismo
(um dos ramos da religião), sharia (lei islâmica) e califa (sucessores do profeta Muhammad).
Papel secundário
Em suas pinceladas na história,
Farah monta um quadro interessante das contribuições árabes e
islâmicas em campos como matemática, medicina, arquitetura e literatura. Mas dedica exíguas linhas para explicar as razões que
levaram o mundo muçulmano a
ter, nos últimos séculos, um papel
de menor destaque no cenário internacional.
O jornalista aponta o Império
Otomano como fator que "provocou estagnação nos territórios sob
seu domínio a partir do final do
século 16".
No capítulo dedicado à explanação do intrincado conflito do
Oriente Médio, o livro deixou de
mencionar fatos cardinais da história recente.
Não há, nas oito páginas reservadas ao tema, uma linha sobre as
negociações de Camp David,
ocorridas em 2000 e que representaram, apesar das diferenças
de visões que levaram ao impasse,
um marco na busca de uma solução negociada para a crise israelo-palestina.
Na descrição do conflito, Farah
deixa em segundo plano contextualizações importantes e prefere
destacar os momentos de confronto entre tropas israelenses e
manifestantes palestinos.
As abordagens maniqueístas
despontam como um dos principais fatores a dificultar o chamado "diálogo de civilizações" e a jogar uma nuvem de fumaça que
torna mais difícil a compreensão
da crise no Oriente Médio.
Reduzir um conflito complexo e
cheio de nuanças a um embate
entre "bons" e "maus" ou entre
"heróis" e "vilões" significa demonizar um dos lados e emprestar-lhe o monopólio da injustiça e
da truculência. Nem o Islã nem Israel merecem esse rótulo.
O Islã
Autor: Paulo Daniel Farah
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 9,90 (106 págs.)
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