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São Paulo, quinta-feira, 23 de janeiro de 2003

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ARTES CÊNICAS

Cortina rasgada

Tony Queiroga/Divulgação
A atriz Liliana Castro em "Alice Através do Espelho", da cia. Armazém, que faz parte da mobilização dos artistas cariocas



Escolha de Falabella para gerir teatros municipais mobiliza artistas cariocas e expõe suas diferenças


VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Os artistas de teatro da cidade do Rio de Janeiro passaram os últimos dias em assembléia permanente. O motivo foi a nomeação do ator e diretor Miguel Falabella para o cargo de gestor da rede municipal de teatros, vinculado à Secretaria das Culturas, em decreto do prefeito César Maia, do último dia 14 de janeiro.
Implantada em 1993, na gestão anterior de Maia, a rede municipal possui dez salas e seis lonas culturais. É caracterizada por delegar a direção dos teatros a encenadores ou atores, sob gerenciamento do Instituto Municipal de Arte e Cultura, o RioArte.
Surpreendidos com o nome de Falabella, tido como um astro de TV mais comprometido com o teatro omercial, os artistas também se assustaram com declaração do prefeito na qual pregava, para formação de platéia, um teatro à la Broadway norte-americana, considerado entretenimento também comercial, em prejuízo do chamado teatro experimental.
O próprio presidente do RioArte, Fábio Ferreira, se demitiu sob alegação de esvaziamento.
Tanto o decreto quando as assembléias com cem, 200 artistas no Jockey e principalmente no Espaço Cultural Sérgio Porto descortinaram a crise de identidade do teatro carioca. "Pagamos o preço por não sermos uma classe articulada, o que nos deixa sujeitos a essas intempéries", afirma o diretor Ivan Sugahara, 27, da cia. Os Dezequilibrados.
Havia mais de década que os artistas não abraçavam uma causa comum. Na última da qual se tem notícia, em 1990, eles resistiram ao afastamento do encenador Aderbal Freire-Filho e do grupo Centro de Construção e Demolição do teatro Gláucio Gil, onde montaram uma das peças mais importantes daquela década, "A Mulher Carioca aos 22 Anos".
"Essa crise também tem um efeito muito bom, mobiliza as pessoas. O Rio é uma cidade grande, importante, mas tem uma classe artística muito pulverizada, principalmente pela presença da Globo, que dilui muito os encontros, estabelece castas que fazem com que as pessoas não se juntem", diz o diretor do grupo Tá na Rua, Amir Haddad, 65, à frente do teatro Carlos Gomes.
O próprio Falabella vislumbra o lado positivo da polêmica sobre sua nomeação. "Foi muito interessante. Há muito tempo eu não via a classe se mobilizando em torno de uma proposta", afirma.
Segundo o secretário das Culturas, Ricardo Maciera, 46, as "turbulências já passaram". Diz ter "um carinho muito grande" pela rede de teatros, descarta seu desmonte, mas fará "correções de rumo". Maciera justifica a escolha de Falabella: "O Miguel tem uma identidade forte com o teatro carioca, com o seu estilo de interpretar. Ele só vem agregar valor".
Uma comissão dos artistas entregou anteontem a Macieira documento no qual propõe a manutenção dos projetos do RioArte programados até março de 2004; a médio prazo, a "parceria permanente dos artistas na política cultural da cidade"; e a longo prazo, a criação de um "seminário permanente de estudo e investigação das questões ligadas ao fazer artístico, à reflexão estética e a todas as suas implicações de ordem política, econômica e social".
Em vários momentos das reuniões, e no próprio documento da comissão, os artistas remeteram ao movimento Arte contra a Barbárie, que surgiu em São Paulo em 1998, articulado por grupos que reivindicavam sobretudo uma política pública para a área, e culminou na conquista do Programa Municipal de Fomento ao Teatro, aprovado pela Câmara Municipal e sancionado pela prefeitura em 2001. "É por uma causa dessa que a classe daqui precisa se mobilizar para conseguir", afirma o diretor Moacir Chaves, 38, da carioca Péssima Cia.
A diretora Cibele Forjaz, da paulistana Cia. Livre, foi convidada a dirigir no Rio, em 2002, a montagem de "Woyzeck - O Brasileiro", produzida e interpretada por Matheus Nachtergaele.
"Em São Paulo o movimento teatral criou flores no asfalto, está vivendo uma primavera que vem de um processo de, no mínimo, dez anos de fortalecimento dos grupos", diz Forjaz, 36. "Nesse período, o Rio viveu uma situação oposta, a desintegração do trabalho de grupo, e o teatro é arte eminentemente coletiva."

Colaborou Pedro Ivo Dubra, da Redação


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