São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 2005

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LANÇAMENTOS/DVD

"UM SÓ CORAÇÃO"

Versão em DVD tem mais de 22 horas da história das elites paulistas e de migrantes até a década de 50

Minissérie é tsunami de lugares-comuns

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE DOMINGO

Na versão em DVD, a minissérie "Um Só Coração" resultou em seis discos, que trazem 1.320 minutos de programa, ou seja, cerca de 22 horas. É um exagero. Este crítico levou cinco noites infindáveis para assistir à minissérie, que em 2004 foi exibida na TV de janeiro a abril.
No mesmo período de 22 horas, o crítico poderia ter visto quatro vezes o épico "Novecento" (1976), do diretor italiano Bernardo Bertolucci -as duas partes deste filme somam cerca de cinco horas.
Tanto "Novecento" quanto "Um Só Coração" têm a veleidade de querer contar a história de um povo inteiro por meio da vida de algumas famílias ao longo do século 20. O filme de Bertolucci vai até o final da Segunda Guerra -é um retrato dos italianos divididos entre fascismo e comunismo. A minissérie, feita para celebrar os 450 anos de São Paulo, retrata a história das elites paulistas e de migrantes até a década de 50.
Não, não vou comparar "esteticamente" o filme e o seriado. Seria covardia. Mas vale a pena contrastar a sua visão de mundo.
Para Bertolucci, a história é conflito entre ricos e pobres. Os primeiros exploram os últimos, que lutam para serem menos explorados. É a clássica visão marxista, ajustada no filme à descrença atual na revolução comunista. A luta dos explorados não tem fim.
Em "Um Só Coração" (o nome já diz), os conflitos não passam de distúrbios ocasionais na vida da grande família brasileira, toda ela unida na emoção de construir o país. Não se apoquente com o futuro: entregue seu destino à linda telehistória do Brasil. No final, pobres ficarão ricos, ricos ficarão pobres -e o mais importante: todos serão felizes, até os mortos.
Para o espectador, há nítida vantagem na visão da Globo: ao transformar a história em telenovela, a emissora acaba prometendo um "happy end" para a própria realidade ingrata. Mas convenhamos que tudo isso é uma grande e espalhafatosa mentira, ao passo que Bertolucci está preocupado em não nos iludir demais.
"Os frutos do trabalho de Yolanda (Penteado) e Ciccilo (Matarazzo) são usufruídos pelos milhões de pessoas de todas as raças e origens que vivem em São Paulo, irmanadas por uma só vontade e unidas em um só coração." É com essa frase pomposa e infame que termina a minissérie.
Além de ser ideologicamente traiçoeiro, "Um Só Coração" é esteticamente reacionário. É um tsunami de lugares-comuns, uma superprodução de clichês da história paulista, um megamonumento ao provincianismo.
Mas há um motivo ao menos para assistir à minissérie: o elenco é dos melhores já reunidos pela Globo. Os atores conduzem o programa com graça e emoção legítima, espantando um pouco o cheiro nauseante de naftalina.
Mas o material extra é medíocre. Só traz reportagens com os atores, no estilo "Vídeo Show".


Um Só Coração
  
Lançamento: Som Livre, R$ 200, em média



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