São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 2005

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CRÍTICA

Na série, o que importa é apenas a música

FREE-LANCE PARA A FOLHA

De espécie de pin-up da bossa para inimigo número um da ditadura, daí para gatão de quarenta, daí para reserva moral da música brasileira, Chico Buarque sempre conduziu sua imagem pública de maneira exemplar e sofisticada. Tanto quanto Caetano ou Roberto, só que sem viver no limite do sofrimento humano como este ou angariar a antipatia geral como aquele. Roberto de Oliveira, que já registrou o cantor inúmeras vezes, agora faz o registro em vídeo de Chico Buarque com a maior cara de Chico Buarque da paróquia.
A série tem cores absolutamente formais. Chico fala, ninguém interrompe, a música se faz, ninguém interrompe, Chico fala mais um pouco sobre si e sobre a música, e assim a coisa vai. Comparado ao ótimo "making of" já em exibição, com cortes rápidos e depoimentos divertidíssimos, a formalidade fica ainda mais evidente. O negócio aqui é a música, nada mais, nada menos.
Roberto de Oliveira, um dos grandes diretores de musicais surgidos na TV brasileira pós-festivais, não faz distinção entre clássicos populares e canções obscuras e rebuscadas. As imagens devem ser belas, históricas, profundamente musicais e, mais importante, servirem aos temas dos programas e terem a cara de Chico Buarque.
Faz sentido que o diretor se apresse em distinguir sua série de um documentário. "Meu Caro Amigo" carece de material histórico, documental, e a ausência dos arquivos da TV Record, onde Chico surgiu e fez seus principais sucessos para o povão, nos anos 60, chega a ser incômoda às vezes. Mas, de novo, é um corte plenamente justificado pela opção pela música. Quem quer informação que vá para o chicobuarque.com.
Até porque um documentário humanizaria o biografado, e "Meu Caro Amigo" mitifica nosso caro amigo ainda mais. As cenas na Biblioteca Nacional durante a exposição "O Tempo e o Artista" e os depoimentos em "off", como máximas de sabedoria, alimentam o fanatismo crescente em torno de Chico, mas pouco desvendam de sua intrincada personalidade e inteligência artística.
Por outro lado, repare a capacidade rara de acomodar, num mesmo episódio, sob o mesmo tema, todo o espectro do autor de "Construção" e, ainda assim, tornar cada faceta (o romântico, o político, o parceiro etc) complementar. Há momentos quase litúrgicos (como quando surgem as parcerias com Edu Lobo) e outros abertamente divertidos (como o mantra-malandro "Maricotinha" em dueto com Dorival Caymmi). É Chico Buarque em alta definição, para as macacas de auditório e para os castristas resistentes. É Chico Buarque em forma e conteúdo. Vai reclamar de quê? (RA)


"Chico Buarque" (primeiro episódio: "Meu Caro Amigo")
   
Quando: quarta (exibições a partir das 12h), no canal 605 da DirecTV



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