São Paulo, sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

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"Eu vi o homem que o mundo espera que defenda um novo tempo"

TAÍS ARAÚJO
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE WASHINGTON

Faltando uma semana para Barack Obama ser oficializado presidente dos Estados Unidos da América, decidi que iria me juntar à multidão e assistir de perto a um dos grandes momentos da história. Comprei minha passagem e, no sábado, 17 de janeiro, cheguei a Nova York.
Fui correndo comprar uma passagem de avião para Washington. Tudo lotado! Na estação de trem, vejo uma fila enorme e descubro que os trens também estão lotados.
Havia vaga em um que sairia às 4h40. Respirei fundo e comprei minha passagem. E então, no dia 20 de janeiro de 2009, começou a viagem mais emocionante -no bom e no mau sentido- da minha vida.
Acordei às 2h30, com um frio de matar, preparei uma sacolinha (mochilas não eram permitidas) com suco e água e lá fui eu rumo à Pensylvania Station.
Na estação, me chamaram a atenção os olhares das pessoas, que, apesar de sonolentas, demonstravam expectativa e alegria quase infantis. Parecíamos crianças nos minutos que antecedem a hora do recreio. O trem chegou e partimos em uma agradável viagem de três horas. As pessoas conversavam, ainda com sono, sobre os bons tempos que estavam por vir, umas contavam ter trabalhado na campanha de Obama, outras elogiavam a família do futuro presidente e, aos poucos, todos foram pegando no sono.
A chegada em Washington foi das coisas mais incríveis que vi; parecia que o sinal do recreio finalmente tinha tocado. Era muita gente! Famílias inteiras saíam dos vagões: avós, filhos, netos! Muitas crianças nos carrinhos, senhores e senhoras. Falatório, euforia. Todos com camisetas, bonés, bottons, casacos, gorros e cachecóis estampados com a foto ou o nome de Obama. Notei que, para cada cinco camisas com o rosto do futuro presidente, uma tinha a foto da família. A popularidade não é exclusividade de Barack Obama. Sua mulher e suas filhas certamente o ajudaram a ser eleito.

Frio insuportável
Saindo da estação, o céu e o inferno! Uma multidão linda, colorida, alegre e pacífica. As pessoas tinham necessidade em dar depoimentos. Elas não se negavam a dar entrevistas e, com isso, pude testemunhar relatos emocionantes. Era o dia da grande celebração. Todos estávamos ali para ver se o que estava para acontecer era real. A parte mais difícil (insuportável!) era o frio; fazia dois graus negativos e ventava sem parar, o que dava a sensação de -10ºC.
Sabia que haveria uma parada depois do juramento de Obama no Capitólio. Era a única informação que tinha. Segui a multidão. Uma bagunça, ninguém sabia de nada, nem a polícia. Concluí que era estratégia de segurança, cada um falava uma coisa. Para minha tristeza, soube que, para passar pelos portões, era necessário ter um ticket que foi distribuído pelos políticos.
Como conhecer um político norte-americano a ponto de ele me dar um ingresso para o discurso do Obama? Depois de andar muito, no frio congelante, desisti. Entrei em um bar que tinha um televisor e foi aí que tive a oportunidade de ver a fragilidade, a união e a esperança de um povo. No bar, só com americanos, a cada imagem e a cada conclusão de raciocínio do discurso de Obama, as pessoas aplaudiam e choravam. Havia ali brancos e negros, assim como por todas as ruas de Washington.
Um senhor no bar comentou que até os republicanos acreditam nele. Quando perguntei o porquê, a resposta foi que Obama era "a única esperança". "Mas ele é humano", respondi. O país inteiro sabe, mas acredita nele, o senhor me respondeu.

Eu vi o homem
Quando acabou o discurso, saí do bar, rezando para não congelar, e fui tentar ver a parada. As ruas já não estavam tão lotadas. Onde antes era um mar de gente, agora podia identificar as avenidas.
Perguntei a algumas pessoas a que horas e onde seria a parada. Responderam que em uma hora o presidente passaria exatamente onde eu estava -eram menos de 100 metros da barreira de proteção. Pensei se valeria à pena ficar em pé exposta àquele frio por uma hora. Não fiquei só por uma, mas por três horas, já que houve atraso.
Depois de muito frio e muita fome -não havia barraquinhas de cachorro-quente ou Pretzl pelas ruas-, a parada começou. Muito esquisita, sem energia, com uma música tocada pelas bandas das Forças Armadas, seguida de silêncio.
Nem parecia aquela festa de horas atrás. Até que a multidão começou a gritar e se aproximou um carro preto, grande, com uma mulher sorridente de roupa bege, acenando para as pessoas, duas meninas igualmente sorridentes e um homem de gravata vermelha e um enorme sorriso de satisfação e gratidão estampado no rosto.
Após toda dificuldade e quase ter perdido a esperança, eu vi o homem que o mundo espera que seja o representante e defensor de um novo tempo.


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