|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Eu vi o homem que o mundo espera que defenda um novo tempo"
TAÍS ARAÚJO
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE
WASHINGTON
Faltando uma semana para
Barack Obama ser oficializado presidente dos Estados
Unidos da América, decidi
que iria me juntar à multidão
e assistir de perto a um dos
grandes momentos da história. Comprei minha passagem e, no sábado, 17 de janeiro, cheguei a Nova York.
Fui correndo comprar uma
passagem de avião para Washington. Tudo lotado! Na estação de trem, vejo uma fila
enorme e descubro que os
trens também estão lotados.
Havia vaga em um que sairia
às 4h40. Respirei fundo e
comprei minha passagem. E
então, no dia 20 de janeiro de
2009, começou a viagem mais
emocionante -no bom e no
mau sentido- da minha vida.
Acordei às 2h30, com um frio
de matar, preparei uma sacolinha (mochilas não eram
permitidas) com suco e água e
lá fui eu rumo à Pensylvania
Station.
Na estação, me chamaram
a atenção os olhares das pessoas, que, apesar de sonolentas, demonstravam expectativa e alegria quase infantis.
Parecíamos crianças nos minutos que antecedem a hora
do recreio. O trem chegou e
partimos em uma agradável
viagem de três horas. As pessoas conversavam, ainda com
sono, sobre os bons tempos
que estavam por vir, umas
contavam ter trabalhado na
campanha de Obama, outras
elogiavam a família do futuro
presidente e, aos poucos, todos foram pegando no sono.
A chegada em Washington
foi das coisas mais incríveis
que vi; parecia que o sinal do
recreio finalmente tinha tocado. Era muita gente! Famílias inteiras saíam dos vagões:
avós, filhos, netos! Muitas
crianças nos carrinhos, senhores e senhoras. Falatório,
euforia. Todos com camisetas, bonés, bottons, casacos,
gorros e cachecóis estampados com a foto ou o nome de
Obama. Notei que, para cada
cinco camisas com o rosto do
futuro presidente, uma tinha
a foto da família. A popularidade não é exclusividade de
Barack Obama. Sua mulher e
suas filhas certamente o ajudaram a ser eleito.
Frio insuportável
Saindo da estação, o céu e o
inferno! Uma multidão linda,
colorida, alegre e pacífica. As
pessoas tinham necessidade
em dar depoimentos. Elas
não se negavam a dar entrevistas e, com isso, pude testemunhar relatos emocionantes. Era o dia da grande celebração. Todos estávamos ali
para ver se o que estava para
acontecer era real. A parte
mais difícil (insuportável!)
era o frio; fazia dois graus negativos e ventava sem parar, o
que dava a sensação de -10ºC.
Sabia que haveria uma parada depois do juramento de
Obama no Capitólio. Era a
única informação que tinha.
Segui a multidão. Uma bagunça, ninguém sabia de nada, nem a polícia. Concluí que
era estratégia de segurança,
cada um falava uma coisa. Para minha tristeza, soube que,
para passar pelos portões, era
necessário ter um ticket que
foi distribuído pelos políticos.
Como conhecer um político norte-americano a ponto
de ele me dar um ingresso para o discurso do Obama? Depois de andar muito, no frio
congelante, desisti. Entrei em
um bar que tinha um televisor e foi aí que tive a oportunidade de ver a fragilidade, a
união e a esperança de um povo. No bar, só com americanos, a cada imagem e a cada
conclusão de raciocínio do
discurso de Obama, as pessoas aplaudiam e choravam.
Havia ali brancos e negros,
assim como por todas as ruas
de Washington.
Um senhor no bar comentou que até os republicanos
acreditam nele. Quando perguntei o porquê, a resposta foi
que Obama era "a única esperança". "Mas ele é humano",
respondi. O país inteiro sabe,
mas acredita nele, o senhor
me respondeu.
Eu vi o homem
Quando acabou o discurso,
saí do bar, rezando para não
congelar, e fui tentar ver a parada. As ruas já não estavam
tão lotadas. Onde antes era
um mar de gente, agora podia
identificar as avenidas.
Perguntei a algumas pessoas a que horas e onde seria a
parada. Responderam que
em uma hora o presidente
passaria exatamente onde eu
estava -eram menos de 100
metros da barreira de proteção. Pensei se valeria à pena
ficar em pé exposta àquele
frio por uma hora. Não fiquei
só por uma, mas por três horas, já que houve atraso.
Depois de muito frio e muita fome -não havia barraquinhas de cachorro-quente ou
Pretzl pelas ruas-, a parada
começou. Muito esquisita,
sem energia, com uma música tocada pelas bandas das
Forças Armadas, seguida de
silêncio.
Nem parecia aquela festa
de horas atrás. Até que a multidão começou a gritar e se
aproximou um carro preto,
grande, com uma mulher sorridente de roupa bege, acenando para as pessoas, duas
meninas igualmente sorridentes e um homem de gravata vermelha e um enorme
sorriso de satisfação e gratidão estampado no rosto.
Após toda dificuldade e
quase ter perdido a esperança, eu vi o homem que o mundo espera que seja o representante e defensor de um
novo tempo.
Texto Anterior: Taís Araújo vira jornalista na posse de Obama Próximo Texto: Música: Sesc Pompeia homenageia "sotaques" de SP Índice
|