São Paulo, sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Análise

Renovação de orquestra e criação da Sala São Paulo são marcos da Era Neschling

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Como fica a Osesp agora? Um dia depois da notícia da demissão do maestro Neschling, essa, naturalmente, é a pergunta que todos se fazem. Uma primeira resposta prática já foi anunciada, com a devida eloquência: Yan Pascal Tortelier será o novo regente titular, com contrato de dois anos (2009-2010). Depois acontece o processo de escolha do novo diretor artístico, que assume em 2011.
Desde junho do ano passado, quando o Conselho da Fundação Osesp aceitou o pedido do próprio Neschling de não renovar seu contrato, muitas versões têm circulado sobre o episódio. Quase nunca se relata a sequência de fatos.
Aconteceu o seguinte: depois de três anos de atividade, o Conselho resolveu chamar especialistas para estudar melhor como se administra uma orquestra, segundo padrões internacionais. A notícia chegou ao maestro, que a interpretou da pior forma e reagiu anunciando pela imprensa sua decisão de não prosseguir à frente da Osesp depois de 2010.
O Conselho só podia mesmo confirmar a saída do regente. Neschling em princípio ficaria com a Osesp nas próximas duas temporadas. Durante esse tempo, seria iniciada a busca de um novo diretor artístico, com orientação de dois experts.
Resumo: sentindo-se ofendido ao ver contestada sua autoridade total sobre a orquestra, o maestro foi diretamente à imprensa. O Conselho ou voltava atrás, e perdia o respeito, ou mantinha-se firme e perdia o maestro. Perdeu o maestro -nos dois sentidos da frase.
De lá para cá, Neschling deu várias declarações agressivas. Isso, mais uma carta de protesto dos músicos -que até então não tinham dado um pio- foi o sinal que faltava para que o Conselho demitisse o maestro.
Os mais de 11 mil assinantes da Osesp vão chiar; mas tudo mostra que Neschling chegou ao limite -até ele, que sempre passou dos limites.

Legado
Com este longo ciclo da orquestra chegando ao fim, ninguém pode tirar do maestro a glória de ter realizado, contra todas as expectativas, o mais ambicioso e mais bem sucedido projeto musical nessa área de que já se teve notícia entre nós.
A renovação da Osesp, a partir de 1997, e a construção da Sala São Paulo (inaugurada em 1999) são marcos de um período que será conhecido com justiça como a Era Neschling. Não só se chegou a resultados musicais de alto nível, mas mudou-se a forma de administrar as coisas, criando um modelo hoje seguido, em alguma medida, por muitas instituições.
O mínimo que se pode dizer é que a Osesp de Neschling desprovincianizou a música clássica brasileira, com repercussões em outras áreas. Cabe enfatizar que a programação de concertos ao longo desses 12 anos foi excepcionalmente interessante, com raros exemplos análogos, mesmo entre as maiores orquestras do mundo. Abriu espaço ainda para o reconhecimento da música brasileira, lá fora não mais do que aqui.
A temporada 2009 já está fechada e não deve sofrer mudanças, sob o comando de Tortelier. A do próximo ano, imagina-se, também. Crucial agora será encontrar um diretor artístico capaz não só de fazer a orquestra crescer musicalmente, como ela pede, mas de sustentar à altura seu projeto cultural. Esse terá sido maior legado da Era Neschling. Direta ou indiretamente, em maior ou menor escala, todos nós somos hoje o resultado; tomara que não o seu fim.


Texto Anterior: Francês é substituto temporário na Osesp
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.