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CINEMA ESTRÉIAS
'Será que Ele
É?' peca pelas
boas intenções
BERNARDO CARVALHO
especial para a Folha
O argumento de "Será que Ele
É?", de Frank Oz, é inspirado numa anedota real. Ao agradecer pelo Oscar recebido por sua interpretação em "Filadélfia", Tom Hanks
decidiu homenagear um antigo
professor que o havia inspirado,
revelando a milhões de espectadores, durante a cerimônia, e com
orgulho, que o mestre era gay
-sem saber que ninguém sabia.
Não foram poucos os problemas
que criou para o homenageado.
"Será que Ele É?" coloca Kevin
Kline no lugar de um professor de
literatura inglesa numa típica escola de segundo grau de uma cidadezinha do interior do Estado de
Indiana e Matt Dillon no papel do
ator que recebe o Oscar.
Só que, no filme, é a revelação do
ator que faz o professor (depois de
um período turbulento de escândalo e resistência) acabar caindo
em si, assumindo sua nova identidade e provocando, numa espécie
de "efeito bola de neve", a transformação e a solidariedade exultante -e inverossímil- de toda a
comunidade antes profundamente conservadora.
O eixo principal da comédia gira
em torno do choque da revelação
numa cidadezinha pacata e convencional dos Estados Unidos. É o
que se deduz já a partir do trailer
-aliás, melhor que o filme.
É o que teria explorado até as últimas consequências um Billy Wilder ou mesmo um Ernst Lubitsch
se lhes caísse um argumento desses nas mãos. Mas os tempos -sobretudo americanos- são politicamente corretos. E, sob esse viés,
não há comédia que saia ilesa.
Não se trata de defender aqui que
o humor tem de ser preconceituoso ou mau para ser bom, mas ele
não pode ser controlado por razões de didatismo moral. Tem de
ter a liberdade para rir de tudo (e
de si mesmo), para escarnecer sem
limites. O problema da tentativa de
combinar deboche com lições morais de bom comportamento social, por mais justas que sejam, é
que os dois são, por princípio,
contraditórios.
No fundo, "Será que Ele É?" tenta mostrar (como boa parte dos filmes sobre "temas gays" que
Hollywood, de olho num novo
segmento do mercado e depois de
muito resistir, decidiu fazer) que
eles devem ser aceitos e respeitados como seres humanos, que o
preconceito pode ser vencido até
mesmo numa típica cidadezinha
do interior.
É óbvio que se trata de um bom
sentimento, mas as grandes comédias não são feitas, assim como o
bom cinema (ou a boa literatura
etc.), de bons sentimentos. "Será
que Ele É?" é um filme singelo, mas
falta-lhe malícia.
Como comédia, usando o gênero
como um simples meio para mostrar o prazer do "coming out", de
se assumir como gay, conquistando seu lugar no mundo mesmo entre os mais conservadores (muitas
vezes para se tornar tão conservador quanto), o filme peca por querer educar. Falta-lhe uma das
maiores qualidades do humor: a
capacidade de rir de si mesmo
-no caso, das intenções politicamente (e mercadologicamente)
corretas que lhe dão origem.
Filme: Será que Ele É?
Produção: EUA, 1997
Direção: Frank Oz
Com: Kevin Kline, Joan Cusack, Matt Dillon,
Debbie Reynolds e Tom Selleck
Internet: http://www.inandout.com/
Quando: a partir de hoje, nos cines
Paissandu, West Plaza 1, Plaza Sul 1 e
circuito
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