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ANÁLISE
Aos 12, ninguém tem voz
JOÃO BATISTA NATALI
da Reportagem Local
O showbiz erudito tem uma
compulsiva atração pela estereotipia. Charlotte Church é a vítima da
vez. Caiu na rede comercial que há
mais de dois séculos procura identificar e lançar ao mercado crianças-prodígio. Algumas vezes deu
certo, como em Mozart ou Mendelssohn. Com a senhorita
Church, novamente, não deu.
Ela tem 12 anos. Os marqueteiros
tentam fazer dela o fenômeno vocal da virada do milênio, ou qualquer baboseira do gênero. Talvez
consigam porque há sempre muito
dinheiro envolvido. E porque o
primeiro CD da senhorita Church
é algo como a versão juvenil e condensada dos Três Tenores.
A voz infantil pode ter um timbre
bonito. É o caso da senhorita
Church. Mas a voz dela, mesmo
afinada, é imperfeita. Seus legatos
são cruelmente toscos, sua noção
de fraseado é das mais primárias, e
seu bom instinto de harmonia não
consegue esconder uma floresta de
equívocos que só dez anos de conservatório poderiam corrigir.
É possível contra-argumentar
que não dá para esperar mais de
uma criança. Pois então que não a
arrancassem do coral de igreja onde por certo se desempenhava razoavelmente bem, para lançá-la
-os pais e os empresários estão
faturando alto com isso- num
mercado em que as exigências de
desempenho são bem maiores.
"Voice of an Angel", o primeiro e
talvez o último CD da atual senhorita Church (no próximo, sua voz
já será outra), tem o acompanhamento da orquestra e coro da Ópera Nacional do País de Gales. São
bons músicos.
Mas eles sucumbem ao besteirol
dos arranjos. Há excesso de intervenção da harpa. O órgão entra onde deveriam entrar violoncelos e
contrabaixos. E o uso abusivo do
playback lembra os maus momentos de gravações da Broadway.
No fundo, qualquer farmacêutico sabe que um coquetel concentrado pode produzir no organismo
um efeito oposto ao que seria provocado separadamente por cada
medicamento que o compõe.
Com a música acontece frequentemente o mesmo. O uso indiscriminado de chavões torna qualquer
interpretação indigesta. A senhorita Church não tem culpa. Afinal,
ela é uma pobre vítima dos adultos
que tentam transformá-la em produto de excelência precoce.
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