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LIVRO - LANÇAMENTO
Coletânea traz humanismo de Hobsbawm
BERNARDO CARVALHO
especial para a Folha
Mais do que em qualquer outro
livro de Eric Hobsbawm publicado
nos últimos anos, essa coletânea de
artigos a que se deu o título um
tanto enganador de "Pessoas Extraordinárias - Resistência, Rebelião e Jazz" (editora Paz e Terra) revela, para bem ou para mal, o que
significa ter se mantido como "historiador marxista" quando boa
parte da realidade conspirava para
a ridicularização e o anacronismo
de tal definição.
Os editores optaram por usar na
contracapa uma bela declaração
do autor em entrevista ao jornal
britânico "The Independent", que
vale citar: "A causa a que devotei
boa parte da minha vida não prosperou. Espero que isso tenha me
transformado em um historiador
melhor, já que a melhor história é
escrita por aqueles que perderam
algo".
Diante desse raciocínio quase
trágico e do título do livro, o leitor
pode acabar com a idéia apressada
de que o que tem nas mãos inaugura, como sugere a orelha, "um novo parâmetro para a história do
proletariado", não por meio de
uma idéia de classe teoricamente
imposta à massa dos indivíduos,
mas pela análise desses indivíduos
criando a consciência de classe a
partir de suas ações individuais.
Não é bem assim.
Em primeiro lugar, a maioria
desses artigos já havia sido publicada anteriormente, antes que fosse possível ao historiador chegar à
sua conclusão trágica e madura sobre o fracasso da causa a que devotou boa parte de sua vida.
São textos que datam dos anos 50
em diante. Apesar de trazerem cada um uma pequena introdução,
situando o momento em que foram escritos e o que hoje pode haver neles de atual, em grande parte
tornaram-se mais datados do que a
edição quer deixar transparecer.
˛
Davi e Golias
É o caso, entre outros, do artigo
sobre o Vietnã e a dinâmica da
guerrilha, de 1965, ou do texto sobre Maio de 68, publicado em 69.
Ambos têm interesse histórico, sobretudo pela data de sua publicação. Mas essa mesma data limita a
amplitude da análise.
Uma breve introdução ao texto
sobre o Vietnã tenta atualizar a reflexão sobre a guerrilha, comparando, nos dias de hoje, o Iraque a
Davi lutando contra Golias (as superpotências lideradas por Washington): "Davi ainda pode triunfar sobre Golias". E, por mais que
se repudie a ação norte-americana
nesse episódio, é difícil não se
constranger com o tom panfletário
e simplista dessa velha imagem
marxista aplicada a um contexto
que já não a comporta.
Em segundo lugar, são poucos,
entre esses artigos, os que põem
realmente no centro da argumentação os indivíduos, as "pessoas
extraordinárias" a que se refere o
título: são, em geral, os capítulos
que foram publicados originalmente como resenhas de biografias de personagens ilustres, como
Thomas Paine, Duke Ellington ou
o bandido Giuliano.
Em outros textos, como "Os Destruidores de Máquinas", de 1952,
embora haja um sentido revisionista em relação ao marxismo tradicional, com a tentativa de recuperar o valor histórico e politicamente positivo de um movimento
como o dos ludistas na Inglaterra
da Revolução Industrial, as referências ao operário Ned Ludd, que
inspirou tais manifestações, são
breves e sem maior significado para a análise.
˛
Arte política
Dentro de uma lógica de mercado, "Pessoas Extraordinárias" é
sem dúvida um "bom título", ainda mais numa época em que o público corre às livrarias à cata de todo tipo de biografias -e não só de
celebridades-, mas pode decepcionar o leitor desavisado. Porque
diz muito pouco sobre o que esse
livro realmente é.
Para além desse artifício de marketing, no entanto, há algo bastante simpático -e cada vez mais raro- no humanismo engajado de
Hobsbawm, e mesmo na sua visão
por vezes conservadora em relação
à arte e ao comportamento. Em especial nos textos sobre jazz.
Mais do que as relações entre arte
e política analisadas com propriedade pelo historiador, o que se destaca nesse livro é a idéia, hoje em
desuso, da defesa da cultura com
base em princípios e valores vitais,
abrangentes, humanistas, e não cinicamente mercadológicos.
A velha idéia de uma arte política, que no passado chegou a produzir inúmeras excrescências e
desvios retrógrados, ganha aqui
um sentido de renovação, nem que
seja apenas por mostrar o óbvio:
que a arte tem um valor prioritário, e não é o de mercado.
˛
Livro: Pessoas Extraordinárias - Resistência,
Rebelião e Jazz
Autor: Eric Hobsbawm
Tradução: Irene Hirsch
Lançamento: Paz e Terra
Quanto: R$ 39 (434 págs.)
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