São Paulo, sexta-feira, 23 de fevereiro de 2001 |
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TEATRO Diretor do Oficina remonta peças dos 90 para gravar em vídeo, ensaia "Os Sertões" e leva "Esperando Godot" ao Rio Zé Celso coloca "decano do ócio" no cio
VALMIR SANTOS DA REPORTAGEM LOCAL O "decano do ócio" está no cio. José Celso Martinez Corrêa contraria o estigma que surgiu em torno de seu trabalho, nos anos 80, e vive um dos momentos de maior atividade em sua carreira. Ele está às voltas com o Festival Teatro Oficina, projeto que vai remontar e gravar em vídeo nove peças do repertório dos anos 90. A primeira, "Boca de Ouro", volta hoje ao cartaz. Desde outubro do ano passado, ele comanda os ensaios de "Os Sertões", em oficinas de direção, dramaturgia, interpretação, cenografia, enfim, ligadas ao projeto Residência Externa da Oficina Cultural Oswald de Andrade (deve estrear ainda este ano). Além das montagens do seu grupo, ele foi convidado pela produtora Monique Gardenberg a dirigir um novo espetáculo na unidade carioca do Centro Cultural Banco do Brasil, que entra em cartaz em julho. Zé Celso escolheu "Esperando Godot", do irlandês Samuel Beckett. O processo ainda é embrionário, nem definiu os atores. Para quem viveu momentos de "baque" em 2000, como a internação para uma cirurgia de hérnia de hiato (no esôfago), que o retirou de cena por alguns dias, Zé Celso, 63, não esmorece, sobretudo quando se trata do teatro Oficina, espaço físico que acredita estar ameaçado pela construção de um shopping pelo grupo Silvio Santos, com o qual mantém encontros de negociação. A seguir, trechos de sua entrevista à Folha. O NOVO DE NOVO - "Essas peças
dos anos 90, quando estrearam,
fizeram sucesso, mas tiveram que
se confrontar com o saudosismo,
a nostalgia do velho Oficina. Eu
acho que essas peças trouxeram
um novo público, porque o velho
público do Oficina torceu o nariz
para essa nova fase. Mas o público
do Uzyna Uzona, foi uma luta
muito grande contra uma idéia
fantasmagórica, tanto que eu fazia o papel do Fantasma em
"Ham-Let" porque havia essa visão fantasmagórica, de uma volta
aos 60. E realmente se tratava de
outra coisa, de ir adiante, assumir
a revolução tecnológica, assumir
a revolução ecológica, assumir o
teatro como arte popular, tanto
quanto o Carnaval. Nosso repertório sempre foi visto com choque, com escândalo, com processo e sempre julgado por critério
do velho Oficina. TRANSFORMAÇÃO - "Nós estamos numa fase muito bonita, de
transformação muito grande, de
você viver intensamente a ágora, à
altura da função social, histórica e
estética do Oficina neste momento. Então, se por um lado isso é
uma coisa terrível, ao mesmo
tempo dá a dimensão, é uma contradição que estimula, um antagonismo que dá clareza na relação
entre o Exército e Canudos..." JANELAS - "Gostaria de fazer espetáculos à tarde para chamar as
pessoas, para que sintam o que se
perde sem a luz da janela. Nenhum teatro tem janela, tudo
bem. Mas este teatro quis ter janela porque optou por um tipo de
construção teatral que pressuponha a contracenação com o ambiente, essa é a nossa natureza. O
Oswald dizia: "Teatro, um país
que não tem luz própria". Um país
caixa de sapato. A gente rompeu
isso. O Oficina, além de ser tombado, é uma obra de arte, que
pressupõe o sol. No Japão há lei
para o sol. Aqui, é preciso criar
uma. O sol embeleza monstruosamente o nosso palco, todas as tardes, nos ensaios de "Os Sertões"." CANUDOS - "Nós pretendemos
fazer com que Canudos seja um
Oficina desse tempo, cibernético.
A diferença hoje entre rural e urbano é muito pequena. Estivemos
recentemente em Canudos (BA) e
vimos que a cidade está cheia de
parabólicas. E o Oficina pretende
ser grupo autogerido, anarquista
mesmo, no sentido mais nobre da
arte, de atores que formam um
grupo de anarquistas coroados e
que, portanto, contracenem com
a globalização de outra maneira." ESTAÇÕES- "Em cada peça que
vai ser revista, teremos uma cena
para começar e terminar já com
atores de "Os Sertões", que vai perpassar todas. "Boca" e "Cacilda!"
são mais recentes, já têm a presença de "Os Sertões" mais forte, já
tem a coisa do sol no "Boca", vamos acentuar muito essa lei do
sol, essa solaridade asteca, vamos
nos orgulhar de sermos uma boca
de ouro, em contraste com a boca
de vil metal que quer nos engolir.
Tem um silício qualquer que está
nos envolvendo, mas tem aqui a
boca de ouro que, por enquanto, é
boca, mas quer ter, eu vou dizer
ânus, para ser publicado. Quer ter
a saída da maravilha que produz e
quer ter a saída numa grande apoteose do teatro-estádio. Até se o
Grupo Silvio Santos topar, durante o dia, estacionamento, e à noite
abre e a gente faz "Os Sertões" ali." PRIMEIRO-ATOR - "Ele vai protagonizar boa parte das peças, é um
festival Marcelo Drummond, foi
ele quem levantou este projeto.
Desde "Ham-Let", desde que eu,
como Fantasma, passei o bastão
para ele, com a Leona (Cavalli),
com Pascoal (da Conceição), com
a Denise (Assumpção), com Alexandre (Borges), com a Júlia
(Lemmertz), que inauguraram
essa tendência, essa linha que chegou até agora, e daí vieram outras
gerações, e Marcelo foi perpassando todas... E nessa situação vai
ser oportunidade de ser um novo
Hamlet, já com o teatro aberto,
em outra situação, nessa situação
de guerra com Fortimbrás, muito
violenta, Fortimbrás continua
mais forte... Cada peça dessa vai
ter que ser revista a partir de "Os
Sertões" e desse quadro de luta." LUTA - "Eu estou com esse espírito positivo, apesar de estar nesta
luta. Eu acredito no poder do teatro e da arte, é nesse jogo que vai
passar a ser jogado e ao mesmo
tempo vai ser uma guerra." PERIFERIA - "O Oficina tem sido
periferia nesses anos todos, tem
resistido, graças ao público que
nos apoiou esses anos todos. E ao
mesmo tempo, o Oficina é centro,
porque é uma marca central, é
uma rua na cultura do Brasil." GLOBALIZAÇÃO - "Ela é massacrante. É necessário que ela contracene com as diferenças, afirme
as idiossincrasias, e o Oficina é
um fato concreto de alguma coisa
que está exatamente na base de
receber uma vitória esmagadora
da globalização." LIBERDADE - "Não adianta você
ter liberdade de se exprimir se você não tem liberdade de produzir,
de criar, de fazer. A liberdade de
expressão é a liberdade de expressão total do ser, não é só da palavra. Não havia liberdade de produção no meio cultural. Todas as
empresas tinham como critério
um investimento para capitalizar,
para concentrar o capital. Aí os
bancos investiam neles mesmos.
A Petrobras dá uma guinada nos
apoiando, nesse momento em
que o país toma consciência do
que ele tem de valor, numa maneira de ser de vários Brasis. Não
sou nacionalista. GODOT - É uma história de amores que já não dá para separar
mais dele, tem que transmutar a
forma de amar e tocar em frente.
Realmente, dois homens que se
dão a mão para se atirar da torre
Eifel, para se matar juntos, deve
haver um amor enorme entre
eles. A Cacilda fez Estragon em
"Godot", ou seja, o personagem
era interpretado por uma mulher,
que é mais fácil de ter o amor. Geralmente, quando vem um homem, faz-se de conta, dissimula-se um pouco.... |
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