São Paulo, sexta-feira, 23 de fevereiro de 2001

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CINEMA/ESTRÉIA

"PSICOPATA AMERICANO"

Cineasta Mary Harron fala sobre polêmico filme baseado no famoso livro pop de Bret Easton Ellis

Não gosto de violência; nem vi "Hannibal"

LÚCIO RIBEIRO
DA REPORTAGEM LOCAL

Agora vai. Quase um ano depois de estrear nos Estados Unidos, o polêmico "Psicopata Americano" finalmente chega ao cartaz no Brasil, fazendo duplinha sanguinária com "Hannibal", outro que estréia hoje.
Versão cinema do estupendamente violento livro do escritor pop Bret Easton Ellis, lançado em 1991, "Psicopata Americano" é um ácido retrato de época.
Livro e filme mapeiam a desalmada geração yuppie dos anos 80, ao olhar de um personagem típico, um sujeito que de dia ganha os tubos trabalhando na bolsa de valores e à noite, para se divertir, frequenta restaurantes da moda, exibe seu terno Armani para os amigos e trucida pessoas, fatiando-as e as guardando na geladeira.
O livro de Ellis caiu nas câmeras da feminista diretora canadense Mary Harron, que estreou em 1996 com "Um Tiro para Andy Warhol" ("I Shot Andy Warhol").
Como a carnificina "Psicopata Americano", com uma história machista e de uma época machista e fútil, foi parar nas mãos de uma cineasta mulher e ainda por cima feminista?
Mary Harron, por e-mail, explicou à Folha.

Folha - O que a atraiu para a missão de transformar em cinema o polêmico livro de Bret Easton Ellis?
Mary Harron -
Primeiro pela sátira social. Acho que Ellis capturou a loucura do final dos anos 80 de um jeito que ninguém conseguiu. O livro é repleto de diálogos brilhantes e de observações sociais perfeitas. Ele é excelente também em descrever estados de ansiedade, da paranóia à desintegração.
Não acho o livro tão violento. E olha que tenho estômago fraco para violência. Não fui ver "Hannibal", por exemplo. Parece-me muito sanguinário!
A violência não me atrai, mas ao mesmo tempo senti que o filme precisava ter alguns elementos violentos, caso contrário não representaria decentemente o livro.

Folha - Quando você foi convidada para dirigir "Psicopata Americano", já havia lido o livro ou foi lê-lo depois do convite?
Harron -
Li em 1991, assim que foi lançado em Londres. Acho que ele foi subestimado. Muitos críticos ignoraram o propósito satírico da obra. O livro estava tentando dizer coisas sérias sobre a demência de uma sociedade obcecada com aparências superficiais. Sabia que o filme ia herdar o lado ruim da controvérsia do livro.

Folha - Como uma feminista que dirige filmes, você tem um prazer especial com "Psicopata Americano" e o jeito que o livro/filme satiriza o comportamento do homem americano da geração que tinha à época uns 20, 30 e poucos anos?
Harron -
É claro. Uma das coisas que me atraíram para o livro foi o jeito como Ellis expôs essa altamente privilegiada elite americana, um grupo de jovens extremamente ricos que foram treinados desde o berço para a cruel competição do sucesso a qualquer preço.
Divertiu ver o quanto era fútil e inseguro o macho americano prepotente da época, que agia igual à imagem estereotipada das garotas adolescentes, obcecadas com roupas, corpo e status.

Folha - "Psicopata Americano" é retrato dos 80 e mostra o universo yuppie, dos jovens desalmados com altos cargos em firmas grandes, na bolsa de valores. Você vê o filme como registro de uma época distante, datada, ou acha que há reminiscências do período na atual era "ponto.com"?
Harron -
Sempre achei que o filme deveria fincar pé nos 80 porque era essa a época a ser satirizada. Muitos dos detalhes maravilhosos do livro sobre restaurantes, consumo, a cultura lobotomizada pertencem tanto aos 80...
Acho que em algumas coisas os 80 parecem com a época atual, mas não na essência. No passado havia uma óbvia celebração da riqueza e do egoísmo, enquanto que nesta era "ponto.com" as pessoas que ganharam dinheiro são mais generosas, liberais, de estilo simples. Até pode existir um Bateman hoje, mas de uma forma ou de outra ele acaba expelido pelo meio. Pelo menos é o que acho.

Folha - Tanto quanto o livro pendia para a violência, o filme vai mais para um lado de diversão. Você vê assim?
Harron -
Espero que as pessoas vejam assim. Foi minha intenção quando pensei no filme pela primeira vez. É um filme difícil de se classificar. Eu mesma não sei.


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