São Paulo, segunda-feira, 23 de fevereiro de 2004

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Verão sem fim

Associated Press
Os Beach Boys em foto de 1966; no alto, a partir da esq., Mike Love, Brian Wilson e Carl Wilson; embaixo, Al Jardine e Dennis Wilson


Mente brilhante dos Beach Boys, rivais americanos dos Beatles, Brian Wilson vai lançar "Smile", de 1967, considerado o maior álbum perdido da história

SYLVIE SIMMONS
DA "INTERNATIONAL FEATURE AGENCY"

O táxi passa pela última curva na estrada estreita que margeia o cânion e pára diante de um portão eletrônico no alto de Beverly Hills. A casa de Brian Wilson, o principal compositor dos Beach Boys, é cor de areia, com telhado de terracota e um gramado de frente bem arrumado e alegre.
Não há nada em seu interior que deixe transparecer que um popstar reside nela -e menos ainda um que é saudado por Bob Dylan, Elton John, Neil Young e George Martin, este último produtor dos Beatles, como o maior gênio do pop ainda vivo.
Não há música tocando, não há estúdios no porão, nem discos ou CDs nas prateleiras ou álbuns de ouro nas paredes. Em lugar disso há quadros e fotos emolduradas da família. Sua nova família, principalmente -sua segunda mulher, Melinda, e as duas filhas pequenas do casal, adotadas-, embora haja também uma imagem em p&b de Brian apagando velinhas de aniversário ao lado de seus irmãos menores e também Beach Boys Dennis e Carl, ambos hoje mortos. (Dennis morreu afogado em 1983, Carl, de câncer, em 1998. Seu pai e ex-empresário, Murray, morreu em 1973, a mãe, em 1997.) Ninguém apostaria que Brian seria o último a ficar, mas aqui está ele, completando 62 anos neste ano -um sobrevivente.
"Estou pronto", diz Brian, e se dirige à sala de música para nossa entrevista. Brian Wilson não é de jogar conversa fora.
"Ele precisa sentir-se à vontade", sua mulher, Melinda, explicara antes. "Quando Brian se sente à vontade, com amigos, ele é realmente engraçado." "Esta banda" -ela se refere à versão ampliada do grupo The Wondermints, que toca com Wilson desde 1999 - "realmente apóia Brian. Hoje ele tem o que precisa à sua volta para poder encarar esse novo projeto com coragem."
Na realidade, é um projeto muito antigo. Wilson está fazendo renascer o álbum que já foi descrito por críticos de rock como o maior álbum perdido de todos os tempos, aquele que ficou famoso por tê-lo levado ao afastamento do mundo e seu mergulho na loucura: "Smile".
Em 1966, quando ele primeiro começou a compor sozinho e a gravar "Smile" -tinha 24 anos e, com o lançamento de "Pet Sounds", considerado um dos melhores discos de todos os tempos, estava em seu auge criativo-, sua idéia era "criar amor -uma vibração de amor para as pessoas". Brian chamou a música de sua "sinfonia teen dedicada a Deus". Quando mostrou o álbum para seus colegas de banda, em 1967, eles a descreveram como "maluco" e "uma merda".
Então Brian pôs as fitas na prateleira e voltou para casa, onde foi para a cama, e não voltou a engajar-se plenamente com outro disco até sua estréia solo, em 88. Ele nunca sequer reconheceu "Smile" como álbum, que passou quase quatro décadas juntando poeira nos arquivos da Capitol Records.
Até alguns meses atrás, quando o impensável aconteceu. Brian voltou e ouviu as fitas de "Smile". Então telefonou para seu colaborador e letrista Van Dyke Parks, hoje sexagenário, e terminou o disco. E, enquanto seguem as negociações para o lançamento do álbum, ele acaba de viajar à Europa para tocá-lo ao vivo, do começo ao fim. No primeiro show da turnê, sexta passada, em Londres, ele foi ovacionado.

Surf e tortas de maçã
"O som de vozes sempre foi minha parte favorita em um disco", diz Brian. "Sempre. Porque é ali que está o amor: na voz."
No começo, havia apenas três vozes: Brian, Carl e Dennis. "Não havia muita harmonia em minha família, exceto pelo cantar. Acho que essa era nossa maneira de nos comunicar."
Ainda quando Brian era "teen", seu primo Mike Love e amigo de escola Al Jardine se somaram à banda, que se apresentava no colégio deles, na Califórnia, primeiro sob o nome Carl & The Passions e depois como The Pendletones, nome de uma marca popular de camiseta para surfistas. Dennis era o único deles que sabia surfar, mas Brian "queria viver a vida de surfista", ele confessa. "Eu penteava meu cabelo como surfista e ficava maravilhado com as garotas surfistas que frequentavam a praia. Foram elas que me inspiraram a compor aquelas canções."
Quando o pai dos rapazes arrumou uma audição para eles com um pequeno selo da Califórnia, Candix, em 1961, o selo mudou o nome deles para The Beach Boys.
Suas canções, que soavam como Chuck Berry batendo de frente com um coral de igreja, eram um reflexo perfeito da época: a América próspera, suburbanizada, movida a tortas de maçã dos anos 1950 que tinham acabado de terminar, e os mais rebeldes e turbulentos anos 1960.
Eles foram contratados pela Capitol, e teve início a sequência de sucessos dos anos 1960: "Surfin" Safari", "Surfin" USA", "Surfer Girl", "I Get Around", "Fun Fun Fun" -canções que definiram o pop da Costa Oeste americana, se não o inventaram.
Ainda em 1963, porém, as canções de Brian começaram a escapar dos parâmetros restritivos do sol, diversão, carros e garotas, conforme evidenciado por baladas mais sofisticadas e confessionais, como "In My Room". Como maneira de captar nos equipamentos de gravação muito primitivos da época os sons de longo alcance que ouvia em sua cabeça, Brian também estava começando a atuar como produtor. Quando a pressão do cronograma de turnês, aliada ao ciúmes, às dificuldades criadas por Murry e às expectativas da gravadora, o levaram a sofrer um colapso nervoso, Brian disse que ficaria no estúdio enquanto sua banda percorresse a estrada.
Instalado permanentemente no estúdio, sua música se tornou mais complexa. Ele aprendeu a gravar vozes por cima de outras, repetidas vezes, tornando as harmonias cada vez maiores e mais belas. Fez experiências com instrumentos e afinações bizarros. Brian era obcecado por Phil Spector [que produziu "Let It Be", dos Beatles]. Spector era uma das razões pelas quais as canções de Brian deixaram de ser um simples rock com harmonias e começaram a captar a estranha e maravilhosa sinfonia de sons que ele ouvia em sua cabeça.
"No começo, eu amava o que fazia, mas depois eu disse "Não, vou tentar superar Spector. Vou tentar superar Spector em seus discos". Eu vivia tentando passar à frente dele, e não conseguia."
Outro fator que o incentivou a mudar foram os Beatles. "Pet Sounds" foi apenas em parte sua reação à experiência de sentir-se maravilhado com "Rubber Soul", dos Beatles -do mesmo modo, Paul McCartney já declarou oficialmente que "Sgt. Pepper" foi influenciado por "Pet Sounds". Quando peço que descreva sua relação com os Beatles, Brian responde: "Uma relação de competição amigável. Paul às vezes passava pelo estúdio. Apenas Paul. Nunca conheci John, e conhecia Ringo e George Harrison apenas de dizer "Oi, como vai?". Mas não éramos rivais".


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