São Paulo, segunda-feira, 23 de fevereiro de 2004

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VERÃO SEM FIM

Disco inacabado de Brian Wilson se baseia no "ser americano" e na concorrência com britânicos nos anos 60

Conceito de "Smile" abarca história dos Estados Unidos

DA "INTERNATIONAL FEATURE AGENCY"

Em toda a história do rock, repleta de lendas sobre oportunidades e discos perdidos, nada se compara ao grande álbum perdido dos Beach Boys, "Smile". A idéia de Brian Wilson voltar a ele e terminá-lo, mais de 37 anos depois, é simplesmente estarrecedora. Embora seu equilíbrio mental e emocional tenha melhorado, sua fragilidade ainda é evidente.
Quando pergunto qual foi a reação quando voltou a ouvir as fitas de "Smile", ele diz, olhando para o longe: "Elas me levaram de volta à época em que fiz a música". Foi uma época boa para voltar? Ele dá um sorriso nervoso. "Não."
E tudo estava indo tão bem: com a canção "Good Vibrations" tornando-se número um de ambos os lados do Atlântico, os Beach Boys haviam passado os Beatles para liderar a pesquisa "Banda do Ano" do semanário inglês "NME". Deixado por conta própria no estúdio, Brian vivia um momento criativo ótimo.
Quando ainda estava fazendo seu maior clássico, o disco ""Pet Sounds", ele formou uma parceria com um compositor, pianista clássico e ex-ator mirim desconhecido, de 22 anos, chamado Van Dyke Parks.
"A música possui sua sintaxe própria, e Brian se comunica muito bem e muito claramente através da música. A primeira coisa que fizemos foi "Heroes & Villains". Nós dois nos sentamos ali e em cinco horas tínhamos a música inteira pronta. Depois daquilo, todo o mundo ficou interessado em nosso potencial, e aquilo ganhou mais importância do que qualquer um de nós imaginava."
E de onde saíram os temas de "Smile"?
Parks insiste que a tentativa de criar um disco que encapsulasse a música e história americanas, do Dixieland à Disney, da raça à religião, de Phil Spector ao faroeste, de Gershwin ao grande incêndio de Chicago, foi tanto idéia de Brian quanto dele. "Dois caras estavam numa sala e decidiram que -apesar dos Beatles e do Vietnã, apesar de tudo- seriam americanos. Havia essa competição filial tremenda com os britânicos."
A história se divide sobre a razão precisa pela qual Brian abandonou "Smile", mas a maioria das pessoas concorda que o surgimento nas paradas do álbum de conceito experimental "Sgt. Pepper's", dos Beatles, antes de Brian concluir o seu, teve algo a ver. Tudo o que Brian diz é que "não queríamos que saísse porque achamos que era estranho demais".
Se "Smile" tivesse saído antes de "Sgt. Pepper", poderia ter mudado o rumo da história da música -ou, com certeza, a maneira como as pessoas enxergavam os Beach Boys. A expressão de Brian fica sombria. "Não", diz ele, "Sgt. Peppers" também era ótimo".
Brian não tem muito mais a dizer sobre a ressurreição recente de "Smile". Ele diz que foi tudo idéia de sua mulher Melinda e que o tecladista Darian Sahajana foi quem localizou as fitas, as transferiu para seu laptop e as tocou para que Brian pudesse trabalhar com elas. Ele também atribui crédito a Van Dyke Parks, a quem convidou para juntos concluírem sua sinfonia. Mas Melinda, Sahajana e Parks dizem que Brian fez a maior parte do trabalho e que ele apenas gosta de desviar a atenção dele mesmo.
"Sol e mar, era isso que os Beach Boys cantavam", disse Brian quando pedi a ele que resumisse aquelas canções atemporais que ele afirma não mais ouvir, a não ser que esteja cantando uma delas no palco. E se às vezes elas soam como uma sombra sob o sol?
"Isso é estranho. Não sei o que quer dizer. Que há uma tristeza nelas? Rock'n'roll e tristeza juntos? Sim, é isso mesmo."


Tradução de Clara Allain


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