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O homem-espelho
Após 13 anos afastado, Hudinilson Junior encerra mostra e prepara série de grafites
LUCRECIA ZAPPI
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Hudinilson Urbano Junior, 47,
abrocha um espelho no paletó e
ajeita o cabelo para trás da orelha.
O artista, que polemizou em São
Paulo com as reproduções de seu
corpo em outdoors pela cidade e
participou do grupo 3Nós3, nos
anos 70, gosta de associar sua
imagem a Narciso, e reverencia
Jean Genet porque "para Genet,
num texto de Walter Benjamin,
Narciso nunca morre", diz.
Após 13 anos sem fazer uma exposição individual sequer, Hudinilson voltou à tona. A mostra
"São Paulo Narcísico", exposta
até o dia 20 de fevereiro, foi uma
homenagem ao aniversário de
São Paulo. O artista expôs na Galeria Sesc Paulista alguns painéis
feitos de grafite, azulejo e xerox,
mas, de longe, a mostra não tem
seus trabalhos mais polêmicos do
início dos anos 80, época em que
grafitava os muros de São Paulo e
fazia "arte xerox".
É nesse jogo narcísico de espelhos que a máquina de xerox se
encaixa como peça fundamental
em sua obra. Na polêmica intervenção "Xerox Action", feita em
1983 durante a exposição coletiva
no Museu de Arte Moderna, no
Ibirapuera, o "voyeurismo de
mim mesmo", nas palavras do artista, aflorou: "Eu literalmente
transei com a máquina".
O artista registrou através das
fotocópias seu corpo nu e o enquadrou em outdoors. Aqui, "o
esquartejamento é programado e
preciso", segundo o crítico e cineasta Jean-Claude Bernardet, 68,
que observa, no catálogo da exposição, que o "corpo", um tema
constante na obra de Hudinilson,
ganha uma dimensão menos "natural" nos outdoors. "Mais pensamos entrar na intimidade desse
corpo que ilusoriamente se oferece, mais nos defrontamos com
um sistema", escreve Bernardet.
Hudinilson não foi o primeiro a
desdobrar esse sistema de fotocópias em outdoors. O artista recifense multimídia Paulo Brusky,
dois anos antes da exposição no
MAM, em 1981, havia feito o "Artedoors" em Recife e recebeu o
prêmio Guggenheim de Artes Visuais. No entanto, Hudinilson teve um papel na vanguarda da arte
feita pelas ruas. De acordo com
Mário Ramiro, "o xerox que ele
fazia foi precursor da gráfica eletrônica". Ramiro, ao lado de Hudinilson e Rafael França, morto
em 1991, foi integrante do 3Nós3.
Hudinilson diz ter aprendido
arte fazendo visitas ao museu Lasar Segall, de onde foi vizinho durante alguns anos. Outra influência que cita é a artista Regina Silveira, e, de sua aproximação com
a obra de Silveira, passou a fazer
"arte postal", intervenções sobre
envelopes que passavam pelo correio, com uma série de carimbos
como "viajou sem passaporte" ou
"pinto não pode".
Ultimamente tem se dedicado à
elaboração de painéis, como os
expostos na galeria Sesc Paulista,
com textura aparente, feitos com
spray sobre tecidos colados uns
aos outros. O fascínio pelo corpo
nu masculino nos painéis surge
num rearranjo de figuras clássicas, clichês de "belos gregos",
sempre ao lado de colunas.
É uma herança da cultura sub-pop de grafites de rua que Hudinilson levou para seu apartamento-ateliê de um quarto e uma sala,
onde mora há dez anos. O espaço
é minúsculo, mas Hudinilson se
ajeita e consegue fazer com que
cada centímetro dos cômodos seja funcional para a elaboração de
suas obras.
Os painéis são feitos no chão e
servem como tapetes temporários, porque, segundo o artista, é
importante que eles ganhem
"matéria". Na parede estão dependuradas algumas de suas roupas "sem título". Segundo o artista, essas peças, que foram endurecidas com cola e transformadas
em obras de arte, representam as
"três superfícies do corpo": "Tenho radiografias e xerox do meu
corpo, além das roupas, minha
segunda pele", diz.
Mas o que mais impressiona em
seu apartamento são os "livros-referência", que Hudinilson faz
há 20 anos. "Você pode não gostar da obra dos grafites, porque
afinal aquilo teve sua época, mas
os livros são uma loucura total. É
um universo muito interessante",
diz Ramiro.
São mais 80 cadernos com colagens, a maioria de fotos de homens nus em relações sexuais,
imagens de obras suas e de outros
artistas, além de textos seus escritos à mão.
Até sobre a cama em que dorme
Hudinilson coleciona montes de
jornais e revistas. Ao lado, estão
dispostos uma cola, uma tesoura
e um livro "em preparo".
Grafite
Com o apoio de Alex Vallauri
-famoso por grafitar pela cidade
a figura enigmática da "Rainha do
Frango Assado"-, Hudinilson
costuma imprimir pela cidade silhuetas gregas e seu próprio retrato, ao qual chamou de Projeto
Narciso. Junto com Vallauri, outros artistas usaram a cidade como suporte de obras. Walter Silveira grafitava poesias enquanto
John Howard escrevia "Deus se
Come-se". Por essa geração de
grafiteiros passaram o grupo TupiNãoDá, Carlos Matuck e Maurício Villaça.
Fiel à "escola" de grafiteiros de
São Paulo, Hudinilson anuncia
sua próxima intervenção em São
Paulo, programada para a semana que vem. Vai homenagear sua
amiga Cláudia Wonder, que, segundo Hudinilson, foi um dos
travestis mais "marcantes" da cidade. O artista deve grafitar pelas
ruas de São Paulo a imagem de
Wonder que, neste semestre, lança documentário sobre sua trajetória como cantora.
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