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Coletivo 3Nós3 é referência para arte nas ruas
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Em 1979 três homens cobriram com plástico de lixo
azul diversas estátuas da cidade. Hudinilson Urbano
Junior havia traçado sobre o
xerox das páginas de um
guia de São Paulo um percurso com caneta vermelha.
Do bairro do Ipiranga até o
centro velho da cidade, Hudinilson, Mário Ramiro e
Rafel França cobririam todas as obras isoladas das
ruas por onde passassem.
A intervenção simbolizava
o "esquecimento" das esculturas da cidade. Torná-las
"invisíveis", cobertas com
plástico, era resgatar sua visibilidade. Como em outras
intervenções do coletivo,
sempre noturnas, as pessoas
ficavam sabendo da ação só
na manhã seguinte, por
meio da imprensa.
Segundo Ramiro, os jornais receberam de manhã telefonemas de pessoas que
exigiam "esclarecimentos"
sobre a situação daquelas estátuas.
Virou notícia. Os "ensacamentos" foram um desdobramento midiático da obra.
"Além de sua presença física
na malha urbana, as intervenções passaram a existir
também como intervenções
nos meios de comunicação.
Os materiais instalados por
nós eram retirados logo cedo pelas autoridades e, de todo o trabalho, o que restava
era apenas uma informação,
uma matéria jornalística",
diz Ramiro.
No ano seguinte, o grupo,
durante algumas madrugadas, fez desenhos sobre a cidade com mais plástico.
"Usávamos a planta da cidade como uma folha de papel,
e o plástico esticado era um
desenho. Foram cem metros
"vermelhos" na avenida Paulista e 150 metros "amarelos"
na [avenida] Sumaré", lembra Hudinilson.
Outra intervenção noturna histórica foi a vedação das
portas das principais galerias de arte de São Paulo com
um "x" de fita crepe. Ao lado, escreviam a máxima:
"Tudo o que está dentro fica,
tudo o que está fora se expande".
Foram os últimos anos da
década de 70, marcados pela
passagem da arte conceitual
para uma vontade de integração com a vida em toda
sua dimensão, através da
ocupação de cada esquina
da cidade.
Com a chegada dos anos
80, houve um grande refluxo
da arte conceitual. Ainda assim, dessa costura do espaço
público com os meios de telecomunicação surgiram diversos coletivos.
"O que a gente fez não foi
nada original. É verdade que
a gente tinha aquela referência da "landart" [intervenções
espaciais na natureza], mas é
importante lembrar que a
gente estava vinculado a
uma tradição nossa, underground brasileira, da intervenção urbana do Arthur
Barrio e Oiticica", observa
Ramiro.
Apesar de serem localizadas e de curto alcance, como
a faixa de tecido colocada
transversalmente numa avenida que bloqueava o trânsito, retiradas antes do amanhecer, ficou claro para o
trio que havia um grande
potencial dos meios de comunicação e sobretudo das
telecomunicações a ser explorado através da arte.
Ramiro, que hoje não gosta de ser chamado de "artista
multimídia", é professor da
Escola de Comunicação e
Artes da USP.
(LZ)
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