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Livros - Crítica/"A Elegância do Ouriço"
Talentosa, francesa Muriel Barbery cria impacto como Kafka
Segundo romance de jovem autora, "A Elegância do Ouriço"
recebeu boas avaliações e teve êxito comercial na França
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Na superfície, Renée
Michel se molda ao clichê da "concierge" parisiense. A zeladora do palacete
burguês situado no número 7
da rue de Grenelle é, como ela
própria se define, "viúva, baixinha, feia, gordinha".
Seria o protótipo da concierge rabugenta e insignificante,
não fosse por um detalhe, que
apenas os leitores conhecem e
ela se esforça por esconder. Ela
é um ser refinado, que se deleita com os filmes de Yasujiro
Ozu, aprecia Mozart, lê pensadores como Husserl e Marx
("para a elevação da alma") e se
apraz com escritores russos, especialmente Tolstói.
Renée -protagonista deste
segundo romance de Muriel
Barbery- porta a "elegância do
ouriço" de que fala o título: "por
fora, é crivada de espinhos,
uma verdadeira fortaleza [...]
dentro é tão simplesmente requintada quanto os ouriços,
que são uns bichinhos falsamente indolentes, ferozmente
solitários e terrivelmente elegantes".
O livro obteve boas críticas e
êxito comercial na França. Curiosamente, esteve na lista dos
mais vendidos naquele país
junto de "As Benevolentes", de
Jonathan Littell (Alfaguara).
Os dois livros são relatos de
personagens que devotam à humanidade desconfiança ou desprezo (o de Littell traz um oficial nazista), embora conservem um fundo de sensibilidade
que se traduz por sua apreciação da arte.
A arte é, para Renée, tudo o
que lhe resta; o seu refúgio do
determinismo social e do destino biológico. Afina-se, desse
modo, com Paloma Josse, a superdotada filha de um de seus
patrões. Aos 12 anos, a menina
está determinada a suicidar-se
no dia de seu aniversário.
O gênio constitui-lhe um fardo. "Se a existência é um absurdo, ser brilhantemente bem-sucedido tem tanto valor quanto fracassar", raciocina. Enquanto isso, Paloma dedica-se a
"apreciar o movimento do
mundo para descobrir algo que
seja estético suficiente para dar
valor à vida".
Cada uma à sua maneira,
portanto, Renée e Paloma buscam a validação estética para a
existência. Mesmo a concierge,
às voltas com a pergunta "para
que serve a arte?", não a dissocia totalmente da vida. A resposta para as indagações das
duas se dá com a introdução de
um terceiro personagem, o japonês Kakuro Ozu. Delicado,
diletante, alheio ao protocolo
parisiense, ele descobre o refinamento de Renée e a inteligência de Paloma e dá oportunidade para que ambas manifestem suas qualidades ocultas.
Não é de hoje que a arte européia se deixa fascinar pela cultura do Oriente (basta lembrar
o japonismo que influenciou os
impressionistas no século 19),
mas a inserção desse personagem, de forma acrítica e como
uma espécie de "deus ex machina", frusta o bom andamento
narrativo e das idéias.
Barbery é uma escritora talentosa e, ao modo de Kafka, sabe como criar um desenlace de
impacto à sua narrativa. Quase
nos faz esquecer da deficiência
anterior, talvez advinda de sua
inexperiência, talvez do empenho em tratar de mais coisas
que sua história permite. No todo, porém, é um livro digno, de
uma autora que merece nossa
atenção.
A ELEGÂNCIA DO OURIÇO
Autor: Muriel Barbery
Tradução: Rosa Freire d'Aguiar
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 45 (352 págs.)
Avaliação: bom
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