São Paulo, sábado, 23 de fevereiro de 2008

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Crítica/"Carradas de Razão - Lucio Costa e a Arquitetura Moderna Brasileira"

Autor discute contradições do modernismo na arquitetura

RENATO ANELLI
ESPECIAL PARA A FOLHA

A relação entre as proposições de Lucio Costa para a arquitetura moderna e as dos modernistas de 1922 para os demais campos das artes é o principal assunto de "Carradas de Razão - Lucio Costa e a Arquitetura Moderna Brasileira". Otavio Leonídio coloca em discussão a tese já bastante difundida na qual a arquitetura moderna brasileira seria a realização, no campo da arquitetura, de um projeto cultural que reuniu a construção da identidade nacional à atualização estética perante as inovações das vanguardas européias.
Para isso, o autor elabora uma argumentação fundamentada em interpretação ousada: a concepção de Mário de Andrade para as artes, por basear-se no resgate do popular, apresentaria contradições com a liberdade formal que caracteriza a obra de Oscar Niemeyer, o maior expoente do moderno na arquitetura brasileira.
É uma interpretação que acentua o caráter normativo para a construção da brasilidade em Mário de Andrade, o qual teria exigido de Costa a construção de uma certa independência da arquitetura. Seria esse um processo de libertação do "imperialismo literário", expressão usada por Antonio Candido para criticar a preponderância dos literatos sobre as outras artes na história cultural brasileira, sem a qual a arquitetura moderna brasileira ficaria presa a um caráter analítico de reinterpretação do legado colonial ou de outros componentes da brasilidade modernista tais como a cultura popular e o artesanato.
Com uma questão desse porte, o autor constrói cuidadosamente sua argumentação através de minuciosas análises dos textos citados, reproduzindo deles longos trechos que permitem ao leitor acompanhar a profundidade da sua exegese.
Arquiteto de formação e prática, Leonídio decidiu, por opção de método, concentrar seu estudo na obra teórica de Costa, evitando se estender à sua produção nas áreas de patrimônio histórico (onde atuou na construção do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atual Iphan) e de projeto de arquitetura e urbanismo (entre os quais se destaca o plano urbanístico de Brasília).
Assim, o autor percorre a discussão do neocolonial, a aproximação com Gregori Warchavchik, os episódios do Ministério da Educação e Saúde e da Cidade Universitária do Brasil (ambos envolvendo Le Corbusier) e restringe o período estudado a 1951, quando identifica que a arquitetura moderna brasileira atinge o que foi chamado de "bem-estar da modernidade".
Em um dos pontos altos do livro, Leonídio resgata a polêmica sobre o projeto de Niemeyer para o Grande Hotel de Ouro Preto (1938-39), quando Costa brande o argumento de que para discutir arquitetura teria de se ter algum conhecimento mínimo do "ofício". Uma posição forte, que pretendia defender a existência de certas especificidades do saber sobre arquitetura, assim como nas demais artes, sem as quais qualquer crítica se torna superficial. Entretanto, é necessário reconhecer que essa formulação sustentou também uma atitude antiintelectual e corporativa que ainda hoje evita o aprofundamento de qualquer debate sobre a arquitetura contemporânea no Brasil fora do meio acadêmico.
"Carradas de Razões" (parte de uma frase proferida por José Marianno Filho em seu debate com Costa) pretende superar esse limite no qual a própria arquitetura se encerrou, destinando-se a ser lido por todos aqueles, arquitetos ou não, que consideram que o modernismo brasileiro ainda está longe de ter atingido interpretações consensuais.


RENATO ANELLI é professor titular e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da USP-São Carlos

CARRADAS DE RAZÃO - LUCIO COSTA E A ARQUITETURA MODERNA BRASILEIRA
Autor:
Otavio Leonídio
Editora: PUC-Rio/Loyola
Quanto: R$ 49 (352 págs.)
Avaliação: ótimo


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