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Crítica/"Carradas de Razão - Lucio Costa e a Arquitetura Moderna Brasileira"
Autor discute contradições do modernismo na arquitetura
RENATO ANELLI
ESPECIAL PARA A FOLHA
A relação entre as proposições de Lucio Costa
para a arquitetura moderna e as dos modernistas de
1922 para os demais campos
das artes é o principal assunto
de "Carradas de Razão - Lucio
Costa e a Arquitetura Moderna
Brasileira". Otavio Leonídio
coloca em discussão a tese já
bastante difundida na qual a arquitetura moderna brasileira
seria a realização, no campo da
arquitetura, de um projeto cultural que reuniu a construção
da identidade nacional à atualização estética perante as inovações das vanguardas européias.
Para isso, o autor elabora
uma argumentação fundamentada em interpretação ousada:
a concepção de Mário de Andrade para as artes, por basear-se no resgate do popular, apresentaria contradições com a liberdade formal que caracteriza
a obra de Oscar Niemeyer, o
maior expoente do moderno na
arquitetura brasileira.
É uma interpretação que
acentua o caráter normativo
para a construção da brasilidade em Mário de Andrade, o qual
teria exigido de Costa a construção de uma certa independência da arquitetura. Seria esse um processo de libertação do
"imperialismo literário", expressão usada por Antonio
Candido para criticar a preponderância dos literatos sobre as
outras artes na história cultural
brasileira, sem a qual a arquitetura moderna brasileira ficaria
presa a um caráter analítico de
reinterpretação do legado colonial ou de outros componentes
da brasilidade modernista tais
como a cultura popular e o artesanato.
Com uma questão desse porte, o autor constrói cuidadosamente sua argumentação através de minuciosas análises dos
textos citados, reproduzindo
deles longos trechos que permitem ao leitor acompanhar a
profundidade da sua exegese.
Arquiteto de formação e prática, Leonídio decidiu, por opção
de método, concentrar seu estudo na obra teórica de Costa,
evitando se estender à sua produção nas áreas de patrimônio
histórico (onde atuou na construção do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atual Iphan) e de projeto de
arquitetura e urbanismo (entre
os quais se destaca o plano urbanístico de Brasília).
Assim, o autor percorre a discussão do neocolonial, a aproximação com Gregori Warchavchik, os episódios do Ministério da Educação e Saúde e
da Cidade Universitária do Brasil (ambos envolvendo Le Corbusier) e restringe o período estudado a 1951, quando identifica que a arquitetura moderna
brasileira atinge o que foi chamado de "bem-estar da modernidade".
Em um dos pontos altos do livro, Leonídio resgata a polêmica sobre o projeto de Niemeyer
para o Grande Hotel de Ouro
Preto (1938-39), quando Costa
brande o argumento de que para discutir arquitetura teria de
se ter algum conhecimento mínimo do "ofício".
Uma posição forte, que pretendia defender a existência de
certas especificidades do saber
sobre arquitetura, assim como
nas demais artes, sem as quais
qualquer crítica se torna superficial. Entretanto, é necessário
reconhecer que essa formulação sustentou também uma
atitude antiintelectual e corporativa que ainda hoje evita o
aprofundamento de qualquer
debate sobre a arquitetura contemporânea no Brasil fora do
meio acadêmico.
"Carradas de Razões" (parte
de uma frase proferida por José
Marianno Filho em seu debate
com Costa) pretende superar
esse limite no qual a própria arquitetura se encerrou, destinando-se a ser lido por todos
aqueles, arquitetos ou não, que
consideram que o modernismo
brasileiro ainda está longe de
ter atingido interpretações
consensuais.
RENATO ANELLI é professor titular e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da USP-São Carlos
CARRADAS DE RAZÃO - LUCIO COSTA E A ARQUITETURA MODERNA BRASILEIRA
Autor: Otavio Leonídio
Editora: PUC-Rio/Loyola
Quanto: R$ 49 (352 págs.)
Avaliação: ótimo
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