São Paulo, Terça-feira, 23 de Fevereiro de 1999
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"Dança é arquitetura em movimento"

especial para a Folha, em Paris

"Faço uma espécie de Torre de Babel ao contrário. Em vez da maldição bíblica, a diversidade de linguagens representa um canal de integração em meus espetáculos", diz José Montalvo. Leia a seguir sua entrevista à Folha. (AFP)
Folha - Como você chegou à dança?
José Montalvo -
No começo eu praticava dança simplesmente por divertimento e prazer. Para mim e meus amigos a dança tinha uma dimensão sensual, pois representava o ambiente onde havia mais mulheres por metro quadrado.
Essa mentalidade mudou quando conheci Jerome Andrews, um pedagogo excepcional, que tinha um conhecimento polifônico da dança. Andrews morreu em 1994 e ao longo de sua carreira ele tanto dançou com Maurice Chevalier quanto trabalhou com precursoras da dança moderna, como Mary Wigman e Martha Graham.
Eu tinha formação em arquitetura e artes plásticas e Andrews me fez compreender a relação da dança com essas disciplinas. Resolvi fazer da dança minha profissão ao perceber que ela é arquitetura em movimento, com uma dimensão efêmera e sensual particular.
Folha - No Centro Coreográfico de Créteil, onde seu grupo está sediado, você desenvolve uma atividade aberta à comunidade. Quais são as diretrizes desse trabalho?
Montalvo -
Meu trabalho se constrói em torno de dois eixos. Trata-se de um trabalho de criação, mas também de uma atividade que permite ao público se apropriar da arte.
Entre pessoas que praticam dança sem interesse profissional, procuro despertar a percepção da dança como arte de viver, como maneira de surpreender a si mesmo e reencontrar o prazer imemorial de dançar.
Para obter resultados, coloco proposições simples e estranhas ao mesmo tempo. As propostas devem ser simples para que pessoas de todas as condições físicas tenham acesso, para que cada um aceite sua própria corporalidade, aprenda a lidar com ela, reinventando sua própria expressão.
Ao mesmo tempo, tais proposições causam estranheza porque criam relações com a modernidade. Esse trabalho de via dupla me permite refletir sobre o papel do artista na sociedade e o que ele pode trazer para a vida cotidiana.
Folha - No momento atual da França, com a direita procurando acirrar os preconceitos contra imigrantes, você acha que seu trabalho assume um papel político?
Montalvo -
Não diretamente. No entanto, a dimensão política acaba aflorando à medida que minhas obras contrariam a xenofobia, por meio de um cosmopolitismo cuja riqueza eu tento realçar.
Meu trabalho não tem pretensões políticas. Apenas procuro mostrar, com desenvoltura e elegância, que a interação de culturas diferentes e o contato com a diversidade permitem alargar nosso imaginário, trazendo-nos o júbilo estético.
Folha - Qual o sentido da tecnologia em seus espetáculos que, além de misturar vários estilos de dança, também incluem imagens virtuais se fundindo à ação real?
Montalvo -
Hoje as pessoas são capazes de descartar o espetáculo vivo para ficar em casa à frente de uma televisão que lhes fornece dezenas de canais diferentes.
Perante tal realidade, procuro usar a tecnologia como uma espécie de vacina. Ou seja, injeto o mal para atenuar ou eliminar o mal. Ao me apropriar da imagem virtual procuro colocar a tecnologia a serviço do espetáculo vivo, criando uma interação poética.


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