São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

HEINEKEN
Pianista vai tocar na estréia do festival, em abril
Carla Bley traz jazz provocativo

especial para a Folha

Ela é autora de uma das obras mais bem-humoradas e criativas do jazz pós-anos 60. A compositora, pianista e arranjadora norte-americana Carla Bley será uma das atrações do festival Heineken Concerts, que vai acontecer de 5 a 8 de abril, em São Paulo.
Acompanhada por Steve Swallow, um dos baixistas elétricos mais cultuados do gênero, Carla, 61, vai se apresentar na noite de estréia do evento, no Bourbon Street Music Club, em show que também destaca o violonista brasileiro Paulo Bellinati.
"Já havia uma admiração mútua, antes de nos conhecermos pessoalmente", diz a compositora, por telefone, de Nova York. "Depois, Bellinati e Steve tocaram em duo pela Europa. Assim, pareceu natural que tocássemos juntos aí em São Paulo", conta.
Confirmando que o tom irônico e provocador de grande parte de suas composições afina-se com sua personalidade, "miss" Bley demonstra não ter papas na língua. A menção ao fato de sua música ser hoje bem mais apreciada na Europa e no Japão do que em seu país é motivo para que ela mostre sua verve.
"Hoje, quem toca jazz nos EUA apresenta-se para poucas pessoas, ganha pouco dinheiro e recebe uma cobertura pobre da imprensa. Por isso, Steve e eu decidimos que não vamos mais tocar nos EUA enquanto o público não estiver realmente querendo nos ouvir", afirma.
Outro alvo para a língua afiada da compositora é a indústria musical, em sua opinião, uma responsável direta por seu distanciamento da platéia dos EUA.
"Não é apenas o jazz que sofre hoje com essa política da indústria musical, mas todo o tipo de música minoritária. A indústria prefere ganhar dinheiro com música feita para um grande número de pessoas. Muitos artistas interessantes, em várias áreas, não são ouvidos", analisa.
E essa profusão atual de gravações comemorativas dos centenários de Duke Ellington e Louis Armstrong? Carla Bley também pretende aderir a essa duvidosa onda de tributos musicais?
"De modo algum", diz ela, rindo. "As pessoas já devem estar enjoadas de ouvir tanto Duke Ellington e Louis Armstrong. Como escreveu um colunista do "The New York Times", a melhor maneira de lembrar os 150 anos da morte de Chopin seria deixar de tocar sua obra por um ano. Assim, as pessoas gostariam mais ainda de ouvi-lo."
Na opinião de Bley, essa onda de tributos é essencialmente comercial. "Foi um jeito que a indústria achou para vender mais. Parece que as pessoas estão mais interessadas na ocasião, num concerto de aniversário de cem anos, do que na música", alfineta a norte-americana.
Apesar do cenário pouco favorável à música que gosta, especialmente em seu país, a compositora ressalta que suas críticas não têm caráter de reclamação.
"É muito bom poder ganhar a vida tocando em países bonitos e com ótima comida, como fazemos. É um privilégio poder conhecer lugares fantásticos, trabalhando com música", diz.
Para os fãs mais antigos, que apreciam especialmente sua faceta de "band leader" e arranjadora, expressa em suítes repletas de humor, influências musicais variadas e efeitos teatrais, Bley revela também uma ótima notícia: vai reativar sua "big band".
"Depois de 5 anos fazendo uma música de câmara extravagante, com trios e duos, quero retomar minha "big band", porque isso é o que sei fazer melhor. Posso nomear uns 50 trios com pianistas melhores do que eu, mas quem ainda escreve para "big band'? Tenho obrigação de fazer isso", justifica a arranjadora.
Obviamente, o retorno da irreverente "big band" de Carla Bley não significa que sua parceria com o baixista Steve Swallow esteja próxima do fim. Mesmo que os dois já toquem juntos há mais de 20 anos.
"Tocar com Steve é como vestir um suéter velho: sempre muito confortável. Às vezes, já nem pensamos que somos eu e ele tocando. Sentimos que somos uma única pessoa", diz a pianista.
(CARLOS CALADO)


Texto Anterior: Jazz: João Gilberto é confirmado no JVC
Próximo Texto: Crítica: Capital faz "Acústico" para constranger nossos filhos
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.