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HEINEKEN
Pianista vai tocar na estréia do festival, em abril
Carla Bley traz jazz provocativo
especial para a Folha
Ela é autora de uma das obras
mais bem-humoradas e criativas
do jazz pós-anos 60. A compositora, pianista e arranjadora norte-americana Carla Bley será uma
das atrações do festival Heineken
Concerts, que vai acontecer de 5 a
8 de abril, em São Paulo.
Acompanhada por Steve Swallow, um dos baixistas elétricos
mais cultuados do gênero, Carla,
61, vai se apresentar na noite de
estréia do evento, no Bourbon
Street Music Club, em show que
também destaca o violonista brasileiro Paulo Bellinati.
"Já havia uma admiração mútua, antes de nos conhecermos
pessoalmente", diz a compositora, por telefone, de Nova York.
"Depois, Bellinati e Steve tocaram
em duo pela Europa. Assim, pareceu natural que tocássemos juntos aí em São Paulo", conta.
Confirmando que o tom irônico
e provocador de grande parte de
suas composições afina-se com
sua personalidade, "miss" Bley
demonstra não ter papas na língua. A menção ao fato de sua
música ser hoje bem mais apreciada na Europa e no Japão do
que em seu país é motivo para
que ela mostre sua verve.
"Hoje, quem toca jazz nos EUA
apresenta-se para poucas pessoas, ganha pouco dinheiro e recebe uma cobertura pobre da imprensa. Por isso, Steve e eu decidimos que não vamos mais tocar
nos EUA enquanto o público não
estiver realmente querendo nos
ouvir", afirma.
Outro alvo para a língua afiada
da compositora é a indústria musical, em sua opinião, uma responsável direta por seu distanciamento da platéia dos EUA.
"Não é apenas o jazz que sofre
hoje com essa política da indústria musical, mas todo o tipo de
música minoritária. A indústria
prefere ganhar dinheiro com
música feita para um grande número de pessoas. Muitos artistas
interessantes, em várias áreas,
não são ouvidos", analisa.
E essa profusão atual de gravações comemorativas dos centenários de Duke Ellington e Louis
Armstrong? Carla Bley também
pretende aderir a essa duvidosa
onda de tributos musicais?
"De modo algum", diz ela, rindo. "As pessoas já devem estar
enjoadas de ouvir tanto Duke
Ellington e Louis Armstrong. Como escreveu um colunista do
"The New York Times", a melhor
maneira de lembrar os 150 anos
da morte de Chopin seria deixar
de tocar sua obra por um ano.
Assim, as pessoas gostariam
mais ainda de ouvi-lo."
Na opinião de Bley, essa onda
de tributos é essencialmente comercial. "Foi um jeito que a indústria achou para vender mais.
Parece que as pessoas estão mais
interessadas na ocasião, num
concerto de aniversário de cem
anos, do que na música", alfineta
a norte-americana.
Apesar do cenário pouco favorável à música que gosta, especialmente em seu país, a compositora ressalta que suas críticas
não têm caráter de reclamação.
"É muito bom poder ganhar a
vida tocando em países bonitos e
com ótima comida, como fazemos. É um privilégio poder conhecer lugares fantásticos, trabalhando com música", diz.
Para os fãs mais antigos, que
apreciam especialmente sua faceta de "band leader" e arranjadora, expressa em suítes repletas
de humor, influências musicais
variadas e efeitos teatrais, Bley revela também uma ótima notícia:
vai reativar sua "big band".
"Depois de 5 anos fazendo uma
música de câmara extravagante,
com trios e duos, quero retomar
minha "big band", porque isso é o
que sei fazer melhor. Posso nomear uns 50 trios com pianistas
melhores do que eu, mas quem
ainda escreve para "big band'?
Tenho obrigação de fazer isso",
justifica a arranjadora.
Obviamente, o retorno da irreverente "big band" de Carla Bley
não significa que sua parceria
com o baixista Steve Swallow esteja próxima do fim. Mesmo que
os dois já toquem juntos há mais
de 20 anos.
"Tocar com Steve é como vestir
um suéter velho: sempre muito
confortável. Às vezes, já nem
pensamos que somos eu e ele tocando. Sentimos que somos uma
única pessoa", diz a pianista.
(CARLOS CALADO)
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