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ANG LEE
"Realizei uma fantasia de criança", diz diretor
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
O verde dos bambus domina a
tela como em uma pintura. Venta,
e os protagonistas de uma luta desaparecem voando de cena. "Filmar "O Tigre e o Dragão" foi ver
um sonho de criança, com todas
as suas cores, se concretizar", disse o diretor Ang Lee à Folha.
O cineasta de Taiwan radicado
nos EUA colocou no mesmo filme
um formato tradicional de narrativa romântica oriental e efeitos
especiais hollywoodianos. "O Tigre e o Dragão", ambientado na
China do século 19, narra a história de lutadores em busca de uma
espada de mais de 400 anos, misteriosamente roubada. Entre as
inúmeras cenas de duelos aéreos,
desenrolam-se duas tramas amorosas, num enredo de tom acentuadamente feminista.
"Quis transcender o gênero dos
filmes de artes marciais, abordando outras questões. Queria que as
pessoas saíssem dele com inquietações. É uma provocação para as
emoções e para o pensamento",
disse. Leia abaixo os principais
trechos da entrevista.
Folha - "O Tigre e o Dragão" é um
filme de aventura, ao mesmo tempo, um romance que traz questões
sobre as relações entre homem e
mulher. A mistura atingiu o ponto
que você buscava?
Ang Lee - Sim, o filme identifica-se bastante comigo. Quando comecei a trabalhar com cinema,
não podia fazer aventura, pois era
uma pessoa muito doméstica. Então trabalhei com dramas familiares e os aspectos psicológicos das
relações humanas. Achei que agora era a hora de partir para as telas
maiores.
Folha - E a aventura era o caminho para as grandes bilheterias?
Lee - A aventura é um gênero
com que sonho desde a infância,
influenciado por filmes de artes
marciais e pela fantasia evocada
por sua literatura. Queria que "O
Tigre e o Dragão" tratasse de
transcendência humana, do
amor, da moralidade e, para agradar aos garotos, que fosse uma
história de disputas de poder.
Folha - Você trabalhou com duas
linguagens, a oriental e a ocidental. Como dosou essa mistura?
Lee - Usei o que aprendi sobre
produção norte-americana, aplicando isso numa indústria cinematográfica diferente, muito menor, que é a de meu país. Voltei às
minhas raízes culturais com elementos do Ocidente -como a
força do drama- que achava que
eram bons para o filme.
Folha - Acha que o filme tem dois
públicos? Um atraído pelo romance
e outro pelas artes marciais?
Lee - O filme age de duas formas
sobre o público. Há um elemento
masculino e um feminino, como
nas histórias tradicionais chinesas. Ser emotivo era considerado
ser feminino, ser homem era não
poder mostrar as emoções. Com
os dois juntos, é possível levantar
um pouco do que são as necessidades humanas mais essenciais.
Folha - Você buscou inspiração na
ópera oriental?
Lee - Sim, o filme tem muito de
inspiração da ópera chinesa. As
artes marciais têm muito que ver
com o gênero operístico tradicional chinês, sua coreografia, sua
música. É um referencial muito
forte para nossa cultura até hoje.
Folha - E o uso da luz, inspira-se
nas artes visuais orientais?
Lee - O uso da luz foi inspirado
na pintura chinesa. Usamos muito o azul, o meio-tom, baixos contrastes. Quis imitar a forma como
a arte chinesa vê a paisagem.
Folha - Você foi fiel ao contexto
histórico do século 19 chinês?
Lee - Pesquisei muito. Mas, ao
mesmo tempo em que o filme
precisava ser verídico, era necessário manter um pé atrás, para
que as pessoas se permitissem entrar num mundo fantasioso, afinal, as pessoas não voam. Mas a
ética, o tratamento, os gestuais
são fiéis à época. Alguns detalhes
eu coloquei porque nenhum filme
de artes marciais se importa com
eles, como a cena da caligrafia,
que ajuda a entender a delicadeza
das mulheres da época e como se
relacionavam com a sociedade.
Folha - Você acha que vai ganhar
o Oscar?
Lee - Sou feliz pelo filme ter ido
tão longe. É interessante ver até
onde um filme que não é de língua
inglesa pode chegar. O cinema de
Taiwan tende a seguir pelo caminho mais artístico, não existe uma
indústria de blockbusters lá. Mas
acho que o sucesso de "O Tigre e o
Dragão" abre uma porta.
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