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CARLOS HEITOR CONY
Dos banhos, das maçãs e dos burros que voam
T omo banho todos os dias.
Aliás, acredito que todo
mundo faz o mesmo, com exceção
dos franceses. Já tomei banho de
bacia, quando era infante, banho
de banheira, de chuveiro, de piscina, de jacuzzi, de cachoeira, de
temporal. Acredito que não há
uma modalidade de banho que
não tenha experimentado, por
necessidade ou curiosidade.
No entanto, um grego foi tomar
banho e saiu nu, gritando pelas
ruas, "Eureka! Eureka!". Reza a
lenda que se chamava Arquimedes, ou Archimedes pela antiga
ortografia, que era mais complicada, em compensação, era mais
pitoresca. Tinha um visual mais
forte: amphora e Nictheroy são
palavras mágicas. E shyphilis era
mais letal do que a sífilis.
O fato é que Arquimedes, que
provavelmente tomava banho todos os dias, saiu gritando pelas
ruas de Atenas, não tenho certeza, acho que era de Atenas, "Eureka! Eureka!". Tinha acabado de
descobrir por que os navios flutuavam e como ele próprio flutuava dentro da banheira.
Tive um colega que foi tomar
banho na casa de férias que o seminário do Rio mantinha em
Itaipava. Viu um sapo enorme,
escuro e obeso, saindo do ralo que
estava sem a grade. Nu, ensaboado, nem abriu a porta onde pendurara a toalha. Arrebentou a
porta e esqueceu de se enrolar na
toalha. Saiu nu, nu e ensaboado,
gritando: um sapo! um sapo!
Não descobriu nada. Seu feito
teria sido esquecido não fosse esta
crônica, e não haveria memória
de sua façanha. Mas, sempre que
penso nisso, desconfio que ele perdeu boa oportunidade para entrar na história universal extraindo de seu pavor pelo sapo uma
dessas leis que fazem o mundo
flutuar no espaço.
Por coincidência, esse colega
não se chamava Arquimedes,
mas tinha um nome grego, chamava-se Alcebíades, era de Barra
do Piraí e, além dos sapos, tinha
pavor pelo latim, foi expulso do
seminário não pelo fato de ter saído nu do banheiro mas também
por terminar o primeiro ano sem
saber declinar o ""rosa, rosae".
Pulando alguns séculos, tivemos o caso de Newton, que deveria ser Nilton, mas, por respeito a
seu extraordinário feito, mereceu
ficar como Newton, da mesma
forma que a Bahia ficou com o
agá e o Piauhy perdeu simultaneamente o agá e o ipisilone. Reza a lenda, mais uma vez, que
Newton foi dormir embaixo da
macieira. Caiu-lhe a maçã na cara e ele descobriu a lei da gravidade. Criou todo um sistema que vigorou até Einstein. Não sou doutor em física, mas acho que Newton ainda vai ter razão. Nunca
entendi a lei da relatividade, mas
entendo perfeitamente porque as
coisas costumam cair em cima da
gente.
Bem verdade que maçã alguma
caiu em cima de mim. Creio que
nunca passei perto de qualquer
macieira. Aqui no Rio não temos
macieiras, temos bananeiras,
mangueiras -que deram nome a
uma escola de samba- e algumas laranjeiras -que deram nome a um bairro. Nos fatos cariocas não há qualquer referência a
macieiras. Se Newton vivesse
aqui, provavelmente até hoje nada saberíamos sobre a queda das
maçãs.
Tampouco sobre a queda do homem no Paraíso Terrestre, onde a
maçã entrou pela primeira vez na
história. Tratou-se de uma queda
mais transcendental, que não explicou a lei da gravidade, mas explicou porque as mulheres sentem
dores na hora do parto e porque
os homens suam quando trabalham. Foram as principais consequências da queda do homem: a
mulher parindo com dor e o homem suando pelo pão de cada
dia.
Devemos alguma coisa às maçãs e ao banho de Arquimedes.
Todos os dias acontecem coisas
maravilhosas e não explicáveis
com todo mundo, e continuamos
ignorando porque amamos e deixamos de amar, porque sentimos
saudades de umas coisas e esquecemos outras, porque perdemos
tempo e lágrimas pelo leite derramado, porque é mais fácil um
burro voar do que a Esquina da
Sorte falhar.
Reza a lenda (uso a expressão
pela terceira vez) que são Tomás
de Aquino estava no recreio e uns
colegas, ressentidos com a sabedoria dele, apontaram para o céu
e avisaram: "Olha, Tomás, um
burro voando!". São Tomás olhou
para cima, procurando no céu o
burro que voava. Os colegas caíram em cima dele: ""Você, que está escrevendo a Suma Teológica,
acredita que um burro possa
voar?" São Tomás respondeu:
""Deveria ser mais fácil um burro
voar do que um religioso mentir".
Sem saber, o Doutor Angélico estava criando o slogan radiofônico
que fez sucesso nos anos 30, quando a Esquina da Sorte tinha a fama de vender bilhetes premiados
da Loteria Federal.
Arquimedes, Newton e Tomás
de Aquino entraram na história
por causa do banho, da maçã e do
burro voando. Coisas naturais ou
sobrenaturais que fizeram a humanidade progredir, explicando
porque os navios flutuam, porque
as maçãs caem e porque os burros
não podem voar, mas os religiosos
podem mentir.
Medito humildemente sobre a
minha insignificância, não consegui entender nada do que acontece comigo nem nos banhos que tomei da vida em geral nem das
quedas que tive -e foram muitas.
Só não vi mesmo foi burro
voando. Mas vi burros fazendo
coisas espantosas, como escrever
crônicas estúpidas como esta.
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