São Paulo, sábado, 23 de março de 2002

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Realidade ofusca utopia

Flávio Florido/Folha Imagem
Willie Doherty, da Inglaterra, em sua sala, escolhida como uma das melhores na Bienal



Curadores visitam a 25ª Bienal de São Paulo a convite da Folha; exposição é aberta hoje para convidados


FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

"As obras das cidades reais são melhores que as da cidade utópica", afirma o curador Nelson Aguilar. A convite da Folha, dois curadores, o brasileiro Aguilar, responsável pela 22ª e 23ª Bienais, e o inglês Gerard Hemsworth, que abriu anteontem mostra de pintura inglesa no Centro Cultural Britânico, visitaram a 25ª Bienal de São Paulo anteontem.
Hemsworth é ainda artista e diretor do prestigiado Godsmiths College, em Londres. A mostra não estava pronta nem todas as obras se encontravam finalizadas. Mas já era possível ter um panorama do evento.
Individualmente, cada um passou cerca de duas horas no pavilhão e comentou os altos e baixos do evento. "É melhor que a de Veneza, no ano passado, mais divertida", disse Hemsworth, sobre o conjunto da exposição.
A Bienal de São Paulo é inaugurada hoje para convidados. Com curadoria de Alfons Hug, a mostra é dividida em cinco segmentos: "Iconografias Metropolitanas", tema do evento, cristalizado em 11 cidades reais e a 12ª, considerada utópica; as representações nacionais; o núcleo brasileiro, as salas especiais, e a Web Arte. Leia a seguir, o balanço do evento para os curadores.

MELHORES OBRAS - Cada curador escolheu as três melhores obras da Bienal. Para Hemsworth: a instalação de Pascale Marthine Tayou, representando Camarões; a obra do brasileiro Daniel Acosta; a videoinstalação de Willie Doherty, da Inglaterra.
Para Aguilar, a obra "Cromosaturación" (apresentada na Bienal de Veneza em 70), do veterano Carlos Cruz-Diez, da Venezuela; a sala especial do fotógrafo alemão Andreas Gursky; a instalação do casal chinês Huang Yong Ping e Shen Yuan, na 12ª cidade, que monta uma favela dentro de uma bola do Congresso Nacional.

SALAS ESPECIAIS - Os curadores dividiram-se sobre a validade da extinção do núcleo histórico, que apresentava mestres da pintura européia e norte-americana e foi trocado por artistas contemporâneos de renome.
"A função de uma Bienal é tratar do contemporâneo, acho ótimo que não haja o núcleo histórico, mas temo que, da forma como está a sala, as obras já pareçam históricas", afirma Hemsworth.
"A sala histórica era um bom parâmetro, pois permitia um recuo no tempo, o que muitos visitantes não conseguem fazer", diz Aguilar. Ambos, no entanto, concordam que a melhor sala é a do fotógrafo alemão Andreas Gursky. "A série dele é o ponto alto da Bienal", diz Aguilar.
Já para Hemsworth, o conjunto de pinturas de Jeff Koons representa "a melhor produção do artista; são ótimas, apesar dele".

BRASILEIROS - A seleção brasileira, escolhida pelo curador Agnaldo Farias, não agradou aos curadores. "Há muitos artistas, parece um salão de artes, o que dispersa o conjunto", diz Aguilar.
Hemsworth foi mais incisivo: "Os artistas brasileiros parecem muito respeitosos à tradição, há obras pretensiosas e outras, como as pinturas de Paulo Whitaker, que poderiam estar numa pizzaria". Mas elogiou muito algumas obras pontuais. "A obra de Daniel Acosta valeu a visita."

CIDADES - O núcleo principal da exposição foi elogiado, mas apenas pelas obras das cidades reais, especialmente por Aguilar. "Berlim é a representação mais significativa da Bienal, as obras são ótimas e têm diversidade de suportes", afirma o brasileiro. A cidade alemã ganha destaque por estar no lugar com melhor visibilidade no pavilhão, o que gerou ciúme de outras delegações. "É natural, Hug convidou o que há de melhor da Alemanha, nessa cidade ele não podia fazer feio", diz Aguilar.
A 12ª cidade foi a mais criticada. "Parece uma exposição de maquetes. Certas obras, como a dos arquitetos Isay Weinfeld e Marcio Kogan, parecem mímica com legendas, é desnecessária", afirma Aguilar.
"Tratar a utopia como tema é ingenuidade, pois toda utopia não dá razão à crítica. As melhores utopias só funcionaram em certas circunstâncias, mas não na arte; o que acontece com a 12ª cidade é que ela parece um parque temática e não uma mostra de arte", diz Hemsworth. Um dos destaques entre as cidades reais para o inglês é Sydney. "As pinturas de Jan Nelson são fantásticas", afirma. Entretanto ele não gostou da representação de Londres na mostra. "É muito familiar, são artistas de que gosto, mas com obras fracas."

BALANÇO - Os curadores elogiaram o conjunto. "É um trabalho imenso, toda Bienal que tenha três ótimas obras já é boa, e essa tem mais do que isso", diz Aguilar. "É melhor que a Bienal de Veneza, mais divertida e atraente", diz Hemsworth. A crítica surge nos detalhes: "Certos países e artistas tentaram retratar a cidade de forma muito literal. Os que se afastaram dela foram os melhores, mas entendo a dificuldade de lidar com tantas obras".


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