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TELEVISÃO/"BAND OF BROTHERS"
Série transmite uma sensação de crueza brutal
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
A Segunda Guerra marca a
ascensão dos EUA à posição
de potência mundial. A entrada
decisiva no conflito sinaliza o início de um período glorioso na história do país, um período de otimismo hoje distante. "Band of
Brothers", a premiada superprodução de Steven Spielberg e Tom
Hanks que a HBO coloca a partir
de amanhã no ar, é sintomática da
perda de legitimidade do heroísmo engajado de então.
O seriado, em dez capítulos de
uma hora, conta a história de uma
companhia de pára-quedistas
treinada durante dois anos em solo americano para entrar na guerra em 1944. Acompanhamos as
desventuras de um grupo de soldados e oficiais que fizeram história na Normandia, na Holanda e
no ninho de Hitler, a Alemanha.
O tom é tristemente determinado. A cuidadosa reconstituição
histórica de uniformes e cenários
celebra a camaradagem de moços
voluntários, escolhidos para ser
soldados de elite. E ao longo da
ação vemos a solidariedade que se
constrói com base não na conversa, mas na convivência brutal.
Não há mulheres, pais ou filhos
nessa campanha. Os soldados estão isolados do mundo civil, que
irrompe em raros momentos na
figura eventual de um velhinho ciclista inglês ou dos habitantes de
uma cidade holandesa na zona
ocupada pelos alemães.
Suas vidas se resumem ao exercício bélico, cujo êxito depende
do desprendimento total, equivalente a se considerar morto -para citar a fala de um oficial a um
soldado que vacila no campo de
batalha. E ele completa: "Sem
condescendência, sem compaixão, sem remorso". É dessa obsessão animal que depende a vitória.
Baseado no livro homônimo do
historiador Stephen Ambrose, o
seriado se legitima na alusão documental que inicia e conclui cada episódio. Depoimentos de ex-combatentes em primeiro plano
contra um fundo negro introduzem cada um dos filmes. Ao final,
texto sobre o mesmo fundo escuro informa sobre as consequências imediatas da ação focalizada.
Entre um documento e outro, o
balé masculino violento das trincheiras, metralhadoras e baionetas. Os episódios obedecem à ordem cronológica dos combates.
Para além dos fatos históricos,
procura caracterizar as relações
cotidianas de uma companhia. É
a história de um grupo específico
de indivíduos que têm nome.
As trajetórias gloriosas dos soldados americanos que ganharam
a Segunda Guerra são comemoradas pelos sobreviventes, que
mantêm a chama de seus pelotões
acesa, décadas após o evento. O livro foi escrito do ponto de vista da
admiração patriótica com aqueles
que cumpriram sua missão.
Mas o contexto é outro. É significativo que a causa antinazista, a
luta pela liberdade e pela democracia, pouco apareça. O inimigo
raramente ganha representação
corporal. O filme mostra o grupo
americano (branco, já que o Exército da época era segregado)
avançando em solo estrangeiro
contra uma força armada que não
tem cara, ironicamente, como na
guerrilha contemporânea.
Tal como a produção sobre a
chegada do homem à Lua, também de Tom Hanks para a HBO
há alguns anos, "Band of Brothers" exacerba uma aventura nacional. Mas, ao promover o orgulho ianque, o programa transmite
uma sensação de crueza brutal.
Esther Hamburger é professora da
ECA-USP e editora do site Trópico
(www.uol.com.br/tropico)
Band of Brothers
Onde: canal HBO
Quando: amanhã, às 21h (serão
exibidos os dois primeiros capítulos); os
demais, a cada domingo subsequente
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