São Paulo, sábado, 23 de março de 2002

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TELEVISÃO/"BAND OF BROTHERS"

Série transmite uma sensação de crueza brutal

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

A Segunda Guerra marca a ascensão dos EUA à posição de potência mundial. A entrada decisiva no conflito sinaliza o início de um período glorioso na história do país, um período de otimismo hoje distante. "Band of Brothers", a premiada superprodução de Steven Spielberg e Tom Hanks que a HBO coloca a partir de amanhã no ar, é sintomática da perda de legitimidade do heroísmo engajado de então.
O seriado, em dez capítulos de uma hora, conta a história de uma companhia de pára-quedistas treinada durante dois anos em solo americano para entrar na guerra em 1944. Acompanhamos as desventuras de um grupo de soldados e oficiais que fizeram história na Normandia, na Holanda e no ninho de Hitler, a Alemanha.
O tom é tristemente determinado. A cuidadosa reconstituição histórica de uniformes e cenários celebra a camaradagem de moços voluntários, escolhidos para ser soldados de elite. E ao longo da ação vemos a solidariedade que se constrói com base não na conversa, mas na convivência brutal.
Não há mulheres, pais ou filhos nessa campanha. Os soldados estão isolados do mundo civil, que irrompe em raros momentos na figura eventual de um velhinho ciclista inglês ou dos habitantes de uma cidade holandesa na zona ocupada pelos alemães.
Suas vidas se resumem ao exercício bélico, cujo êxito depende do desprendimento total, equivalente a se considerar morto -para citar a fala de um oficial a um soldado que vacila no campo de batalha. E ele completa: "Sem condescendência, sem compaixão, sem remorso". É dessa obsessão animal que depende a vitória.
Baseado no livro homônimo do historiador Stephen Ambrose, o seriado se legitima na alusão documental que inicia e conclui cada episódio. Depoimentos de ex-combatentes em primeiro plano contra um fundo negro introduzem cada um dos filmes. Ao final, texto sobre o mesmo fundo escuro informa sobre as consequências imediatas da ação focalizada.
Entre um documento e outro, o balé masculino violento das trincheiras, metralhadoras e baionetas. Os episódios obedecem à ordem cronológica dos combates. Para além dos fatos históricos, procura caracterizar as relações cotidianas de uma companhia. É a história de um grupo específico de indivíduos que têm nome.
As trajetórias gloriosas dos soldados americanos que ganharam a Segunda Guerra são comemoradas pelos sobreviventes, que mantêm a chama de seus pelotões acesa, décadas após o evento. O livro foi escrito do ponto de vista da admiração patriótica com aqueles que cumpriram sua missão.
Mas o contexto é outro. É significativo que a causa antinazista, a luta pela liberdade e pela democracia, pouco apareça. O inimigo raramente ganha representação corporal. O filme mostra o grupo americano (branco, já que o Exército da época era segregado) avançando em solo estrangeiro contra uma força armada que não tem cara, ironicamente, como na guerrilha contemporânea.
Tal como a produção sobre a chegada do homem à Lua, também de Tom Hanks para a HBO há alguns anos, "Band of Brothers" exacerba uma aventura nacional. Mas, ao promover o orgulho ianque, o programa transmite uma sensação de crueza brutal.


Esther Hamburger é professora da ECA-USP e editora do site Trópico (www.uol.com.br/tropico)

Band of Brothers     
Onde: canal HBO
Quando: amanhã, às 21h (serão exibidos os dois primeiros capítulos); os demais, a cada domingo subsequente




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