São Paulo, sábado, 23 de março de 2002

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OSCAR

FILME ESTRANGEIRO

Ricardo Darín, protagonista do indicado argentino, diz que tudo é menor depois do sucesso popular

Ganhar estatueta é "ambição desmedida"

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Ele é "O Filho da Noiva". O ator argentino Ricardo Darín, 44, protagoniza o título de Juan José Campanella, que concorre ao Oscar de melhor filme estrangeiro.
Amanhã, Darín acompanhará o anúncio do vencedor entre os convidados no Kodak Theatre, onde se realiza a 74ª cerimônia de entrega das estatuetas. O ator pensou em não ir, porque acha a festa "um contraponto muito frívolo" à atual situação de crise de seu país. Mas foi convencido a viajar por "amigos e colegas".
Para estar em Los Angeles, o ator teve de cancelar as sessões deste fim de semana da peça "Art", de Yasmina Reza, com a qual está em cartaz há cinco anos na Argentina. Antes do espetáculo do último dia 15, Ricardo Darín conversou com a Folha, em Mar del Plata.

Folha - Quais são as chances de "O Filho da Noiva" ganhar o Oscar?
Ricardo Darín -
Serei absolutamente honesto: desconheço os mecanismos da Academia. Tenho ouvido que o francês "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain" não é uma barbada e que os candidatos mais fortes são o bósnio "Terra de Ninguém" e "O Filho da Noiva". Mas isso não me tira o sono. Eu estava decidido a não ir para a cerimônia, porque me parece um contraponto um tanto frívolo ao que ocorre agora na Argentina. Amigos e colegas de trabalho me convenceram de que isso pode representar algo importante para nós, por isso estarei lá. Mas ainda acho que o caminho mais difícil o filme já fez. Nada é mais difícil do que contar uma história que agrade ao público. Tudo o que vem depois é menor. Você pode até se tornar ambicioso e querer que aconteça isso ou aquilo, mas é uma ambição desmedida.

Folha - Parte da crítica argentina foi contra a indicação de "O Filho da Noiva" por achar que "O Pântano", de Lucrecia Martel, traduz com mais competência a realidade do país. Como recebe as críticas?
Darín -
A disputa entre críticos de uma e de outra tendência será eterna. "O Pântano" é um ótimo filme, um filme incômodo, sobrecarregado de realismo. Nem toda a realidade argentina é como a que está em "O Pântano", assim como "O Filho da Noiva" representa apenas uma parte dessa realidade. Acontece que muita gente se opõe a filmes que tendem a ser mais próximos do gosto popular. Mas é ótimo que exista essa polêmica, porque ela faz com que sempre se busque um ponto de equilíbrio para alcançar o público sem perder os princípios pessoais.

Folha - Qual é a perspectiva do cinema argentino?
Darín -
Hoje o cinema argentino se permite abordar temáticas diversas, mais livres do que as que arrastamos pelos últimos 20 anos. Era muito difícil, com 30 mil desaparecidos, afastar-se do tema da ditadura militar. Um cineasta, jovem ou experiente, sentia a necessidade imperiosa de recair no tema, porque essa é uma ferida aberta na sociedade. Mas, em termos profissionais e técnicos de cinema, isso reduziu possibilidades. Há uma nova geração de cineastas e roteiristas que, por não haver tomado parte ativa nessa época e também por uma necessidade profissional genuína, afastou-se dessa temática, permitindo que o cinema crescesse de novo.

Folha - Quando um ator entra em cena com o público já conquistado, como tem acontecido com você, ele não perde o desafio de interpretar?
Darín -
É preciso esclarecer algo: neste momento, todos na Argentina sentem uma depressão, uma angústia, uma sensação de desprestígio muito grande. A possibilidade de que "O Filho da Noiva" ganhe um Oscar é o que está por trás da reação a que você se refere. Esse é um apoio mais social que especificamente profissional. Ao mesmo tempo, nosso público é muito crítico na hora de avaliar o trabalho. Se pode haver minimamente uma espécie de vantagem nesse apoio, ao mesmo tempo, ele me parece impor um duplo compromisso.



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