São Paulo, sábado, 23 de março de 2002

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CRÍTICA

Prudente, Villela mantém irreverência

SERGIO SALVIA COELHO
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

Gabriel Villela abre o festival com uma insolência prudente, se é que pode existir algo assim. É prudente quando se apóia em efeitos garantidos: põe uma criança no palco logo na primeira cena, amacia a postura rígida dos bailarinos com ternos narizes de palhacinhos, costura o espetáculo com uma narrativa facilmente reconhecível, o "Sonho de uma Noite de Verão" shakespeareano, sem desta vez misturar com nenhuma outra fonte, para que se possa acompanhar a história pelo programa.
Villela é prudente assim também por abandonar o pretensioso hermetismo que havia na sua versão de "Gota d'Água", o que condiz melhor com a ingenuidade reivindicada por ele e se limita a efeitos que já funcionaram em outros espetáculos seus, repetindo "Replay", por exemplo.
Mas nem por isso o diretor abre mão da irreverência. É pelos olhos de uma criança que se deve ver o espetáculo, parece avisar. Assim, nenhuma insolência é ofensiva. A peça de Shakespeare é um velho livro empoeirado, cheio de blablablá, não significando nada de muito sério: no fundo (ou melhor, no raso), o que os namorados querem é dormir juntos ao som de Roberto Carlos; o que libera a elite é a breguice representada pelos seres da floresta. O balé clássico "czarista" perde a pompa, denunciado pela malícia do teatro de rua, e os dançarinos estão liberados para rir, gritar de dor por forçar a postura, tropeçar e fingir manter a pose. A coreografia da Cia. de Dança de Minas Gerais, que merece uma análise mais habilitada que a minha, brinca com os limites da dança, sem abrir mão de ser dança, e todos ficam felizes.
Nos aplausos finais, Villela agradece, levantando a menina da primeira cena, como se estivesse se escudando no pueril. Se desencumbiu bem da tarefa traiçoeira de abrir um festival com um espetáculo leve, às vezes divertido, às vezes lírico, ternamente cafona como uma bailarina de porcelana de casa de avó.
Tem a elegância de não querer abafar de saída, mas lança mão desse seu personagem mineiro, falsamente ingênuo, que desautoriza qualquer outra pretensão maior que a sua. É como se dissesse: "Isso é só teatro, mas eu gosto. É só essa bobajada cheia de pó mesmo. Entrem e fiquem à vontade".
Muito obrigado, seu Gabriel, pela hospitalidade mineira. Mas vamos ver se a gente consegue ir mais fundo na função, nos dez dias de festival que temos pela frente. E o senhor mesmo quando volta a fazer jus à genialidade que já lhe atribuíram?


Avaliação:   

O crítico Sergio Salvia Coelho viaja a convite da organização do 11º FTC




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