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LIVROS/LANÇAMENTOS
"O FIO DA NAVALHA"
Somerset Maugham manipula pontos de vista para contar história com cara de pesquisa biográfica
Romance inglês une folhetim e esoterismo
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
O britânico William Somerset Maugham (1874-1965) é um dos escritores de língua inglesa mais lidos em todo o
mundo. Só perde para Shakespeare e Dickens. O romance "O
Fio da Navalha" ("The Razor's
Edge") está entre seus livros mais
conhecidos, ao lado de "Servidão
Humana" e "Histórias dos Mares
do Sul".
Publicado pela primeira vez em
1945, foi adaptado duas vezes para
o cinema (em 1946 e em 1984) e
chega agora a sua 14ª edição brasileira, acrescida de um prefácio do
escritor Fernando Monteiro.
Não é difícil entender o sucesso
desse caudaloso romance, que encantou diversas gerações de leitores pelo mundo afora.
Em primeiro lugar, há o enredo
sedutor: a história de um jovem
burguês de Chicago, Larry Darnell, que, depois de lutar como
aviador na Primeira Guerra Mundial, abandona sua classe social,
sua noiva e seu país para sair em
busca do auto-aperfeiçoamento e
da iluminação espiritual.
Nessa procura, ele estuda filosofia em Paris, trabalha como mineiro de carvão na Alemanha, torna-se iogue na Índia etc.
Em segundo lugar, há o modo
envolvente e agradável como
Maugham narra essa trajetória.
Colocando-se como personagem da história para dar-lhe uma
aura de veracidade, o escritor faz
de conta que recompõe o destino
de Larry a partir de informações a
seu respeito que teria adquirido
ao longo das décadas.
Algumas dessas informações teriam sido colhidas diretamente,
em encontros ocasionais de Maugham com seu personagem. Outras teriam sido fornecidas por
terceiros. Em ambos os casos, o
escritor se permite amarrá-las como um narrador onisciente, pedindo para isso licença ao leitor.
Maugham considerava a si próprio "um bom escritor de segunda categoria". De fato, não é difícil
perceber os limites de sua escrita,
quando cotejada à dos grandes
ficcionistas do século 20.
O principal desses limites é uma
certa transparência da narração,
uma manipulação meramente espacial do ponto de vista, sem as
ambiguidades e segundas intenções que fazem a grandeza de um
Henry James ou um Machado de
Assis, para citar apenas dois escritores do século 19 mais modernos
que Maugham.
Tudo o que se escreve em "O Fio
da Navalha" é para ser tomado
como verdade, como acontecia
em Dickens ou Alexandre Dumas. Maugham é, antes de tudo,
um escritor anacrônico.
Além disso, tem uma tendência
à descrição prolixa, ao detalhe fútil, à conversa jogada fora. Não há
tensão de linguagem a sustentar
as mais de 400 páginas do romance: apenas fatos, ambientes, personagens. Com praticamente o
mesmo entrecho, Borges poderia
escrever um conto de poucas páginas. Mas não cabe pedir peras
ao olmo, e sim aproveitar a beleza
e a sombra que lhe são próprias.
A chave do sucesso de "O Fio da
Navalha" talvez seja o fato de examinar uma experiência mística a
partir do ponto de vista dos círculos elegantes de Paris e Londres. O
que poderia haver de tédio ou tormento nessa busca é filtrado por
lentes européias e apresentado
confortavelmente quase como
uma aventura exótica.
Há, no livro, o gosto das vagas
buscas esotéricas modernas, o
apelo dos romances de folhetim
(o destino da personagem Sophie
McDonnald é puro melodrama) e
um tanto de colunismo social: os
lugares chiques de Saint Germain,
os melhores vinhos, os vestidos
mais elegantes. Tudo isso tendo
como pano de fundo a busca espiritual de Larry Darnell.
Pode ser antiquado, mas não há
quem resista.
O Fio da Navalha
The Razor's Edge
Autor: W. Somerset Maugham
Tradutora: Lígia Junqueira Smith
Editora: Globo
Quanto: R$ 34 (418 págs.)
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