São Paulo, sábado, 23 de março de 2002

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"Oriundi" brilha em silêncio no Rio

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Enquanto a França canta o "Funiculì Funiculà" para dezenas de autores italianos, no Salão de Paris, o Brasil serve silêncio para o lançamento mais importante de um grande escritor "oriundi".
Franco Terranova nasceu em Nápoles, em 1923. Deixou para trás a Europa arrasada pela guerra depois de ver um filme com Zé Carioca. Seu navio achou o Brasil em 47. A pouca bagagem, as noites sem nenhum tostão, dormidas na praia, os desconhecimentos de língua, amigos e trabalho tomaram sete anos de sua vida.
Mas em 1954 o jovem napolitano já começava a entrar na história da arte brasileira. Naquele ano, ele passou a cuidar, meio por acaso, de uma pequena, minúscula, galeria de arte. Foi pequena só nas dimensões (leia no pequeno texto ao lado por quê). O mesmo vale para a literatura de Terranova.
Ele começou polinizando alguns poemas, diminutos como haikais, no prestigioso "Suplemento Literário", do "Jornal do Brasil" dos anos 50. "O Girassol", o mais famoso, foi com o qual começou a escrever em português.
Ganhou elogios dos grandes poetas-críticos Mário Faustino (1930-62) e Ferreira Gullar, foi publicado na Itália, mas seguiu pela sombra. Foi colhendo elogios, mas sempre publicando edições alternativas, quase sempre pela Massao Ohno, ombro amigo dos poetas sem-editora.
Depois de cinco livros pouco divulgados, Terranova abriu o ano de 2002 publicando pela primeira vez por uma grande casa editorial. Não lançou um, nem dois, mas três livros ao mesmo tempo. "Trilogia do Vento" é o nome que junta os três pequenos volumes lançados pela Nova Fronteira: "Diário 1895/1995", "1001 Noites no Carandiru" e "Assassinato de Primeiro Grau em Ipanema".
Nos primeiros livros, como em "palavrausência", Terranova fazia de modo independente caminho paralelo ao dos concretos, usando poucas palavras e recursos editoriais pioneiros (como "janelinhas" no papel que permitiam diversas leituras do mesmo poema).
Em "Diário" e em "1001 Noites" ele segue uma poesia mais próxima do livro que antecedeu a trilogia, "Memórias Rumores".
Em uma espécie de poesia-prosa, faz uma livre e sensível reconstituição de experiências pessoais, a partir do nascimento de sua mãe (que hoje tem 106 anos e vive na Itália). Em "1001 Noites", dialoga, no mesmo registro poético, com as almas penadas do fatídico massacre do Carandiru, de 1992.
O terceiro livreto marca a maior mudança na trajetória literária do napolitano que abraçou o Rio de Janeiro -ele se considera brasileiro. Em "Assassinato de Primeiro Grau...", a poesia-prosa vira prosa poética, e pela primeira vez seu texto ganha um enredo bem marcado: uma história de amor seguida de assassinato banal.
"Só um grande escritor pode criar. Imperdível", afirma o escritor Doc Comparato no posfácio do livro, rimando com os elogiosos posfácios dos outros volumes, de Affonso Romano de Sant'Anna e de Marco Lucchesi. E é tudo. Galerista amado pelos artistas, Terranova dá, com a "Trilogia do Vento", mais um passo na sua trajetória de "escritor de escritores".


TRILOGIA DO VENTO (DIÁRIO 1895/ 1995, 1001 NOITES NO CARANDIRU E ASSASSINATO DE PRIMEIRO GRAU EM IPANEMA). De: Franco Terranova. Editora: Nova Fronteira (tel. 0/xx/21/ 2537-8770). Quanto: R$ 13 (cada um).



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