Violonista lança CD em que interpreta suas próprias transcrições do compositor

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Os cravistas mantêm uma espécie de legitimidade moral nesse repertório. Mas a legitimidade musical de pianistas e violonistas nem pode ser posta em dúvida, ancorada em toda uma tradição de grandes interpretações e grandes transcrições das "Sonatas" de Domenico Scarlatti (1685-1757) -às quais se soma agora essa extraordinária coleção de peças transcritas e interpretadas pelo violonista brasileiro Fabio Zanon.
Scarlatti já era um compositor reconhecido quando deixou Roma para ser o tutor musical da princesa Maria Barbara, em Lisboa. De lá, ele seguiria a princesa para a Espanha, onde passou o resto da vida.

Mimetismos
Há uma certa justiça estética, então, em tocar Scarlatti no violão, tendo em vista a influência do instrumento sobre a escrita original para cravo.
Mas Zanon argumenta, em suas ótimas notas no encarte, que não se deve exagerar o "violonismo": há tanto de Itália quanto de Espanha nas "Sonatas"; e o violão tem muito a aprender com essa música, para além dos mimetismos.
O disco reúne 13 peças. Não há uma que não seja uma aula de composição; e não há uma que não seja, também, uma aula de interpretação, num registro que não poderia ter qualquer ambição "autêntica", mas rende tributo ao tanto que nos ensina a escola de interpretação da música antiga.
Basta ver o que Zanon faz dos ornamentos. Pouco tempo atrás, os violonistas tocavam trinados, mordentes etc. empregando "ligados" (mais de uma nota, com um só ataque), numa corda só. Isso vem mudando; e Zanon exibe uma verdadeira galeria de ornamentos, muitos deles usando várias cordas e alimentando a música de dentro com pequenos prodígios de charme e fantasia.
Que sua interpretação pode ser comparada com a de grandes pianistas, como Horowitz e Pletnev, dá a medida de sua arte. Como todo compositor de gênio, Scarlatti é infinito; e a história de suas "Sonatas" é a história de suas versões. Nessa história, agora, as transcrições e interpretações de Fabio Zanon abrem lugar para si mesmas e recriam ou inventam um compositor genial, que é também um genial compositor para o violão.