São Paulo, terça, 23 de março de 1999
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OSCAR
Na ressaca da não-premiação de "Central do Brasil" pela Academia, produtores discutem futuro da atividade
Sem estatueta, cinema nacional "cai na real"

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

A "derrota" de "Central do Brasil" na disputa do Oscar foi recebida com uma frustração moderada pelo meio cinematográfico nacional. Aparentemente, ninguém depositava demasiadas esperanças na premiação do filme e da atriz Fernanda Montenegro.
"Claro que, se o filme ganhasse, isso traria mais ânimo para a classe cinematográfica e para o conjunto da sociedade brasileira e talvez levasse instituições hoje hesitantes a investir dinheiro em filmes", diz o produtor Francisco Ramalho, habitual parceiro de Hector Babenco.
"Mas não foi uma derrota", ressalva Ramalho, fazendo coro com outros produtores e distribuidores ouvidos pela Folha.
"Mesmo sem o Oscar, "Central" é um grande vencedor, pois, além das premiações e do prestígio internacional, ele conquistou o mais importante: diminuiu a desconfiança do espectador brasileiro com relação ao cinema feito no país", avalia o crítico José Carlos Avelar, diretor da distribuidora Riofilme, a única especializada em produções brasileiras.
Na avaliação de Adhemar de Oliveira, diretor do Espaço Unibanco de Cinema de São Paulo, a derrota não foi traumática, "porque deu para perceber que o Oscar é, sobretudo, "business". "Antes de concorrer, o filme já tinha caído nas graças do público."
O produtor Roberto Farias diz que a performance do filme "demonstra que, com instrumentos equivalentes a um canivete, o cinema brasileiro consegue competir com o que os outros fazem com uma bateria de computadores, capazes de levar o homem a Marte".
Segundo Farias, "Central" confirma a vocação brasileira para o audiovisual e derruba a idéia de que o cinema brasileiro tem "dificuldade de dialogar" com o público. "O que é preciso é estabelecer elementos de competição justa com o produto importado em nosso próprio mercado."

"Cair na real"
Para a produtora Sara Silveira, o "efeito "Central" está passando: "Temos de cair na real. Com o sucesso do "Central", estávamos de certa forma tapando o sol com a peneira. É preciso ver que o cinema brasileiro enfrenta problemas gravíssimos, sobretudo nas áreas da distribuição e da exibição."
O produtor Aníbal Massaini Neto também acredita que a "ressaca" do Oscar é um bom momento para "fazer uma reflexão sobre a situação do nosso cinema". Segundo ele, "o neoliberalismo está impedindo o governo de exercer um papel regulador do mercado".
Para Massaini, o modelo de captação de recursos para a produção de filmes tem de ser revisto. "No atual mecanismo, que incentiva o investimento com base na renúncia fiscal, a decisão sobre onde investir cabe a diretores de marketing das empresas. Um filme como "A Vida É Bela" nunca seria produzido pela Lei do Audiovisual."
Farias concorda e dá como exemplo o filme "Rota 66", de seu filho Lui Faria, que tem dificuldade em captar recursos devido a seu tema polêmico (violência policial).
Também o cineasta e produtor Sylvio Back acredita que o atual modelo dificulta a captação de recursos para filmes considerados polêmicos ou incômodos. "O resultado disso é um cinema "chapa branca", diz Back, utilizando, aliás, a mesma expressão usada por Aníbal Massaini.

Recursos minguados
Independentemente do destino dado aos recursos captados pelo cinema, todos concordam que estes tendem a minguar no atual contexto de recessão.
"A captação é feita com base no lucro das empresas e esse lucro diminuiu muito com a atual crise", afirma Francisco Ramalho, que também defende uma mudança na legislação para o setor audiovisual. "O atual modelo já está dando sinais de desgaste há algum tempo."
Massaini acrescenta um dado econômico para reforçar o argumento a favor da reforma da legislação. "Na área do audiovisual, estamos importando anualmente mais de US$ 600 milhões e exportando apenas US$ 35 milhões, incluindo aí os programas da Rede Globo. Será que não poderíamos estar importando menos e exportando mais?"
Apesar do pessimismo, produtores e distribuidores concordam que as indicações de "Central" para o Oscar ajudaram indiretamente o cinema nacional. "O fato de ser indicado, além das vitórias no Globo de Ouro e em Berlim, reforçou a relação do público com o filme brasileiro em geral", diz Adhemar de Oliveira.
"O Brasil já havia concorrido ao Oscar outras vezes, mas senti que desta vez, pelo fato de a atriz também ter sido indicada, o reconhecimento do nosso cinema foi ampliado", acrescenta Massaini.
Sara Silveira concorda: "Fernanda conquistou uma grande vitória para os atores brasileiros, superando a barreira da língua".


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