São Paulo, sexta-feira, 23 de abril de 2004

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Projeto une influências ocidentais e orientais

DAVE KEHR
DO "NEW YORK TIMES"

Desde que "Kill Bill - Vol. 1" foi lançado nos EUA, os fóruns de discussão da internet fervilham quanto às numerosas referências que o filme faz à rica tradição dos filmes de gênero asiáticos -tanto às fitas de kung fu produzidas em Hong Kong quanto às sagas de espadachins japonesas.
Com o lançamento de "Kill Bill - Vol. 2" nos EUA, o projeto de Tarantino se torna mais claro e se amplia: enquanto a primeira parte de seu épico ocorre sob o signo do Oriente, a segunda é em larga medida dedicada ao Ocidente -ou seja, à tradição americana e européia de filmes de vingança.
Com a densa rede de referências oferecida em "Kill Bill", Tarantino está ao mesmo tempo propondo um jogo e defendendo um argumento, demonstrando o quanto as culturas populares do Oriente e do Ocidente se influenciaram mutuamente ao longo dos anos e que o novo estilo dos filmes de ação se transformou em uma mistura inextricável das duas. "Kill Bill" fecha o círculo, aglutinando essas influências em um metafilme glorioso, maluco, inspirador e profundamente pungente.
Não é necessário compreender todas as referências de Tarantino (algumas das quais esotéricas) para gostar de "Kill Bill", mas alguns dados podem ajudar a criar uma experiência mais agradável. As notas abaixo são apenas sugestões quanto a pontos básicos de entrada no complicado trabalho de Tarantino em "Kill Bill - Vol. 1" e estão longe de serem completas.
SONNY CHIBA - No roteiro de Tarantino para "Amor à Queima-Roupa", o personagem de Christian Slater fala sobre uma sessão dupla de filmes de Sonny Chiba -"The Streetfighter" e "The Return of the Streetfighter", dois dos mais violentos filmes de crime já produzidos no Japão. Tarantino utiliza a presença sinistra de Chiba em "Kill Bill" para fins de comédia, bem como de ameaça. Seu personagem no filme, o mestre armeiro Hattori Hanzo, que faz para A Noiva (Uma Thurman) sua espada de vingança, leva o nome de um samurai real, que Chiba interpretou em uma série de TV japonesa dos anos 70.
GORDON LIU - Talentoso astro dos filmes de kung fu dos irmãos Shaw, Liu conquistou a fama sob a direção de seu irmão, Liu Chia Lang, em sucessos como "A 36ª Câmara de Xaolin". "Kill Bill" faz referência ao filme ao escalar Liu não como o pupilo que ele interpretava então, mas como o mestre de kung fu Pai Mei, que ensina à Noiva a "técnica de cinco pontos para explodir corações".
LUCY LIU - Como O-Ren Ishii, líder do submundo de Tóquio, Lucy Liu interpreta um personagem que mistura raízes japonesas, chinesas e norte-americanas -as quais representam, evidentemente, a genealogia de "Kill Bill" em si. O visual de seu personagem parece se basear em "Lady Snowblood", filme de espadachins japonês de 1973, no qual a heroína é uma jovem nascida na prisão que prometeu vingar a morte de sua família pelas mãos de uma quadrilha de trapaceiros.
"LOBO SOLITÁRIO" - "Kill Bill" representa uma rara tentativa de combinar os estilos chinês e japonês de artes marciais e, se Gordon Liu representa a tradição chinesa do kung fu lutado de mãos limpas, Sonny Chiba defende a tradição de esgrima japonesa, dos guerreiros samurais. Boa parte da violência estilizada de "Kill Bill" deriva das tradições ultraviolentas de séries japonesas de cinema como "Lobo Solitário". O estilo de "Lobo", cujo fio central é um samurai sem líder que vagueia conduzindo seu bebê em um carrinho protegido por armadilhas explosivas, ressoa em "Kill Bill", com o tema repetidamente mencionado de crianças inocentes presas a adultos violentos.


Tradução Paulo Migliacci


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