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MÚSICA
DJ e produtor, autor do hit tecno "Pontapé", se apresenta no Skol Beats
"Idéia é hoje mais importante que tecnologia", afirma Cohen
THIAGO NEY
DA REDAÇÃO
A música eletrônica depende
cada vez menos da tecnologia.
Daqui a alguns anos, compor será
tão fácil quanto discar um número de telefone. Deve-se levar em
conta o que diz Renato Cohen.
Nos últimos dois anos, este paulistano de 29 anos tornou-se o
principal produtor de música eletrônica do país. Dos maiores defensores da democratização do
processo de criação de música, ele
aponta reviravolta na relação máquina-homem da eletrônica.
"Hoje uma música não soará diferente apenas pelo fato de ter sido feita digitalmente. Não depende mais da máquina; depende
de quem produz a música."
Ele sabe o que fala. De sua
cabeça saiu "Pontapé", hit
tecno que estourou -e ainda reverbera- no planeta
em 2002. A faixa abriu as
portas do mundo para Cohen. Só no último mês, fez
apresentações na Austrália,
Japão, Inglaterra e França.
No sábado, é atração de peso
do Skol Beats. De sua casa, em
SP, ele falou à Folha.
Folha - Faz dez anos que você começou a mexer com música, e hoje
ser DJ é uma profissão, é o sonho de
muitos jovens...
Renato Cohen - Outro dia me
perguntaram: "Como anda o
mercado para DJs brasileiros?".
Eu não acho que tenhamos um
mercado, não sei se você pode tratar isso como uma profissão. Uma
profissão na qual você se prepara
por dez anos para talvez não dar
em nada? Se você considerar que
tem 2.000, 3.000 pessoas querendo fazer isso, mas apenas poucos
conseguem viver exclusivamente
disso... Acho que não dá ainda para chamar de profissão.
Folha - O fascínio pelo DJ continua crescendo. Você sente isso?
Cohen - Sim, bastante. Acho que
a música eletrônica está passando
por uma mudança muito grande:
nos últimos dez, 15 anos, foi uma
música experimental, em que o
DJ era um cara que ficava num
canto sem se importar se alguém
ia vê-lo ou não. Na verdade, as
pessoas estavam lá pela música.
Hoje o público tem a necessidade
de ver o DJ, de saber o que ele está
fazendo. Do mesmo jeito que o
público queria assistir a uma banda, hoje ele quer assistir à performance dos DJs.
Folha - A música eletrônica ficou
velha?
Cohen - Não é uma coisa tão nova, passou a fase do deslumbre.
Não é que não vai ter mais nada
novo, que se esgotou. É que hoje
uma música não soará diferente
apenas pelo fato de ter sido feita
digitalmente. Agora não depende
mais da máquina, do meio de
produção, pois todos têm acesso a
esses meios; agora depende de
quem está produzindo a música.
Quanto mais a tecnologia perde
força, quanto mais fácil ela se torna, mais importante são as idéias.
Nenhuma máquina vai ter idéia
por você.
Folha - Existe a percepção de que
ser DJ é um negócio glamouroso...
Cohen - É que as pessoas vêem o
DJ por duas horas, quando ele está tocando... Nem sei quantas horas fiquei dentro de um avião nas
últimas três semanas. Quase dei a
volta ao mundo.
Folha - Onde você esteve?
Cohen - Austrália, França, Japão,
Inglaterra...
Folha - Você nunca usou ritmos
brasileiros em sua música. Por quê?
Cohen - Não acho certo pegar
uma coisa que só tem aqui, na sua
cultura, e querer ser diferente por
causa disso. Nunca ouvi forró ou
frevo, mas seria muito fácil eu ir
lá, colocar isso numa música só
para ser diferente. Você não vê referência de música country no
tecno de Detroit ou de Chicago.
Folha - Que tipo de equipamento
você usa?
Cohen - Comecei faz muito tempo, então tenho tudo analógico.
Folha - Você acha que a música
eletrônica substituirá o rock no papel que este exerce para os jovens?
Cohen - Acho que sim. No rock a
música e a atitude se complementam. Na música eletrônica não
existe atitude. É a música por si só.
Não é como o hip hop ou como o
rock, em que a idéia é mais forte
do que a música. Não tem letra,
não tem mensagem política,
não tem ideologia. E talvez
por isso seja uma música tão
universal. A eletrônica vai ser
a música das próximas décadas, como o rock foi nos últimos 40 anos. Para quem está
crescendo hoje, fazer música
será como discar um número
no telefone.
Folha - O crescimento da música eletrônica é muito associado
ao aparecimento do ecstasy na Europa. Você concorda?
Cohen - Não totalmente. É a
mesma coisa que afirmar que tudo o que aconteceu no rock nos
anos 60 e 70 foi por causa do LSD.
Não acho que seja. Houve toda
uma estética, um comportamento
nos anos 70, como o aparecimento da TV colorida, uma série de
coisas que influenciaram e ajudaram o crescimento da música daquela época.
Folha - O tecno é grande no Brasil, mas ainda não chegou à massificação que é o drum'n'bass, por
exemplo. Por quê?
Cohen - O drum'n'bass se encaixou perfeitamente com a música
brasileira, com a bossa nova. Tentar fazer isso com tecno não soa
bem. Eu comecei a gostar de MPB
por causa do d'n'b.
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