|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA
Cantora traz show "íntimo" a SP, fala da guerra em sua vizinha Rocinha e critica o olhar estrangeiro sobre o Brasil
Bethânia abre sua quitanda brasileirinha
DA REPORTAGEM LOCAL
O Brasil interior vem ao palco
do Tom Brasil Nações Unidas nas
noites de hoje, amanhã e domingo, na estréia paulistana do show
"Brasileirinho", da cantora baiana Maria Bethânia, 57.
A artista, que nessa empreitada
troca a ligação quase vitalícia com
o diretor teatral Fauzi Arap por
associação com a diretora também teatral Bia Lessa, diz que a
aproximação de "Brasileirinho"
com uma face mais íntima e não
urbana do país rende mudanças
sutis em sua presença de palco.
""Brasileirinho" tem uma suavidade, um modo de falar do Brasil
que é tão ultrapassado -ninguém mais lembra que aqui tem
lua", explica. "Então é quietinho,
o repertório é todo para dentro.
Estou bem menos explosiva. Ainda piorei, incluí canções como
"Motriz" (83), bem para dentro."
Brinca, dizendo que alguns amigos reclamam da interioridade de
"Brasileirinho", da "mania de colocar grilo cantando". "Não gosto
dessa coisa esfriada, urbana", diz,
para depois ressaltar: "Minha vida não tem nada a ver com isso.
Moro junto à Rocinha. Minha rua
virou uma loucura, com polícia
de ponta a ponta, noites de tiroteio que não pára, granadas, pessoas gritando, mortos. É guerra".
Mas o encontro com o Brasil interior não é, ela afirma, uma fuga.
"Não estou fugindo da minha realidade, de forma alguma. Mas graças a Deus não perdi essa memória do que é o Brasil."
Os movimentos de fuga e aproximação encontram curioso contraste no trabalho de seu irmão
Caetano Veloso, 61, em "A Foreign Sound", todo voltado para
fora, para o cancioneiro norte-americano. "Para mim não tem
nenhuma novidade, não é um
susto para mim vê-lo fazendo um
disco assim. Fica esse contraponto entre nós dois."
Sabe que Caetano anda elogiando o CD "Brasileirinho" (2003).
"Mandei para ele. Ele não ouve,
leva muito tempo, não presta
atenção. Demorou, achei que não
tinha gostado, até que me ligou
chorando, emocionado, quando
estava fazendo show [de pré-estréia de "A Foreign Sound'] no Baretto. Fiquei comovida", conta.
Diz que o irmão "está muito
mergulhado do outro lado", mas
não sabe avaliar significados dos
contrastes: "Não sei o que me
guia, só sigo meu desejo. Não estudei muito, não sou preparada.
Só sei da lua, do mar, da montanha, coisas muito simples".
O mano demorou a ouvir "Brasileirinho", mas a mana também
ainda não ouviu "A Foreign
Sound". "É que ele não me mandou, não costuma mandar. Eu,
que sou mulher, é que mando, faço essas gentilezas", justifica-se.
Não aceita comparar seu brasileirinho profundo à era Lula
("não quero falar nada de gente ligada a Brasília, pelo amor de
Deus"). De política, só diz da sua
própria: "Esse é meu disco menos
político e acabou que virou o mais
político -e o show é mais ainda.
É que é um olhar muito amoroso,
apaixonado, entregue ao Brasil.
Mas não é um amor cego. Estou
esperta".
Conhece as mudanças do olhar
estrangeiro sobre seu país. "Hoje
há uma admiração do mundo pelo Brasil, estão nos dando uma colher de chá, o Brasil ficou chique.
Eu odeio isso, porque a gente é
chique sempre, não precisa ninguém vir me dizer isso."
Seria uma nacionalista, uma
tradicionalista? "Não tenho idéia,
dessas coisas não sei." Seria então
moderna, contemporânea? "Não
sei, não penso nada disso. Nasci
para cantar, canto, me esforço, faço direitinho. O resto não sei."
Daquilo que ela sabe, "Brasileirinho" vem a SP desfalcado das
participações do grupo instrumental Uakti e de Nana Caymmi.
Mas estarão aqui a atriz Denise
Stoklos, a cantora Miúcha e o grupo bem brasileiro Tira Poeira.
Os ausentes e os presentes aparecerão em DVD que ela já gravou
no Rio, para seu selo Quitanda, da
Biscoito Fino. Primeira artista do
primeiro escalão MPB a se divorciar da grande indústria, ela segue
ali trajetória produtiva e de sucesso comercial (para parâmetros independentes). "Maricotinha ao
Vivo" (2002) superou 100 mil cópias; "Brasileirinho" se aproxima
dos 50 mil exemplares.
Bethânia já tem pronto, além do
DVD, um disco em tributo a Vinicius de Moraes. Do poeta da bossa
em parceria com Toquinho, incluiu nos shows atuais a praiana e
bem brasileirinha "Tarde em Itapuã" (71), que convive no palco
com as políticas "Comida" (87) e
"Miséria" (89), dos Titãs. Essa é a
quitanda de Maria Bethânia.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
BRASILEIRINHO. Show de Maria
Bethânia. Onde: Tom Brasil Nações
Unidas (r. Bragança Paulista, 1.281, tel.
0/xx/11/2163-2000). Quando: hoje e
amanhã, às 22h, e domingo, às 20h.
Quanto: de R$ 40 a R$ 100.
Texto Anterior: Patience Próximo Texto: Bienal do Livro - Livros: Bienal tem último dia de bonança, com debate de "bambas" e rosas Índice
|