São Paulo, sexta-feira, 23 de abril de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Comentário

Nada é o que parece ser, diz a foto cuspida pela câmera

EDER CHIODETTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Num tempo em que a palavra instantâneo significava "daqui a pouco" e não "imediatamente", as câmeras Polaroid surgiram e se tornaram um fenômeno. Era o final da década de 1940 e o mundo se inebriava com a aceleração modernista.
Logo, a ideia de suprimir o tempo entre o clique e a cópia fotográfica foi o primeiro fator a fazer dessas câmeras um sucesso. Mas não só. No mundo dominado pelas digitais, a velocidade de tartaruga das Polaroids já não importa. O bem vindo regresso dela ao mercado visa suprir outras questões.
A estética da Polaroid é fundada no erro. Contra a megadefinição da imagem propiciada pelos milhões de pixels, ela oferece uma imagem sem muita nitidez, foco precário, cores distorcidas e esmaecidas que seguem se alterando no tempo. E, pior, essa geringonça que para as novas gerações é algo tão retrô como convidar alguém para jogar Genius ou tomar uma Crush, nem sequer gera uma matriz que possa gerar novas cópias. Ela é única.
Tamanha imprecisão, no entanto, é o que atrai fãs no mundo inteiro, entre fotógrafos profissionais e amadores, da mesma forma que atraiu artistas como Andy Warhol, Robert Frank, David Hockney e Robert Mapplethorpe, por exemplo, que terão algumas de suas "polas" levadas a leilão pela Sotheby's em junho.
O fato é que a imagem errática propiciada pelas Polaroids atenta contra a ideia de um real absoluto na fotografia. Zomba da crença que devotamos ao olhar. Nada é o que parece ser, diz a foto cuspida pela câmera após um bizarro grunhido.
É isso! A Polaroid injeta lirismo e atmosfera de sonho onde a fotografia geralmente prega a fidelidade, a mimese. Suas imagens são menos o "isto foi", de Roland Barthes, e mais um "isto poderia ser". Ela não denuncia uma presença, mas tateia uma possibilidade. Não é uma certeza, mas um apontamento fugaz. Uma forma de espiar o mundo por uma poética não mensurável a olho nu.
Em tempos de precisão tecnológica e velocidade, o retorno da Polaroid representa uma visita nostálgica e necessária a um tempo mais dilatado e menos assertivo de apreensão do visível. Fotografia bossa nova.


Texto Anterior: "É como tirar tinta e tela de pintores"
Próximo Texto: Foco: Pelé diz que seu retrato feito por Andy Warhol é "orgulho para brasileiros"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.