São Paulo, sexta-feira, 23 de abril de 2010

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Crítica

Jovens atrizes dão vida e graça a roteiro engessado

ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL

Há uma sina a perseguir os filmes brasileiros que vão à periferia para, de lá, extrair um olhar humanizado: a transformação dos personagens em uma soma de histórias. É como se, em cada um deles, fosse possível colocar todos os dramas, sonhos e experiências que, numa pesquisa de campo, surgem diluídos em mil pessoas. Pois as protagonistas de "Sonhos Roubados" são esse apanhado de vivências que o livro de Eliane Trindade capturou e o filme de Sandra Werneck condensou.
Melancólicas e alegres, ambiciosas e simplórias, mulheres e meninas, Jéssica (Nanda Costa), Daiane (Amanda Diniz) e Sabrina (Kika Farias) nos são apresentadas, uma a uma, a partir do dado mais comum de suas rotinas. Uma tem de cuidar da filha pequena; outra apaga, numa casa com um quê de lugar estranho, as velinhas de 14 anos; a terceira se desdobra para servir os clientes do bar do "seu China".
Feitas as apresentações, a diretora, que havia experimentado o universo juvenil no documentário "Meninas" (2006), enquadra as três ao mesmo tempo. Define assim a amizade entre elas como fio condutor do roteiro. "Sonhos Roubados" seguirá essa estrutura até o final. Se a opção narrativa é duvidosa, o mesmo não se pode dizer da escolha e do empenho das três garotas. As atrizes encarnam à perfeição a leveza inconsequente da juventude, o peso dos sonhos que elas veem escorrer por entre os dedos.
Estranhamente, mais do que às personagens em si, é a Nanda, Amanda e Kika que nos vinculamos. Até mesmo ao dizer frases que parecem muito mais diagnóstico social do que diálogo real entre garotas-como "O que adianta eu ter 17 anos se eu não posso nem ir "pro" baile?" ou "Vou querer uma festa de quinze anos cheia de arranjo de flores que nem eu vi na revista"- elas se mostram naturais.
Engraçadas e frágeis, elas dão vida ao roteiro engessado pela ânsia de abarcar uma realidade complexa, difusa. Werneck, por medo de julgar as personagens, parece ter evitado encará-las de frente. Mas, olhando-as de viés, conseguiu fazer com que o filme fosse, a um só tempo, leve em seus dramas, esperançoso em seu desalento.


SONHOS ROUBADOS

Diretor: Sandra Werneck
Onde: nos cines Bombril, Extra Anchieta Cinemark e circuito
Classificação: 16 anos
Avaliação: bom




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