São Paulo, quinta, 23 de abril de 1998

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FOTOGRAFIA
"Bahia Tatuagens", da fotógrafa Arlete Soares, é lançado hoje no restaurante Mestiço, em São Paulo
Livro imprime a Bahia profunda e colorida

ALVARO MACHADO
especial para a Folha

"Bahia Tatuagens", livro da fotógrafa Arlete Soares, que está sendo lançado hoje em São Paulo, quer mostrar as marcas mais duradouras das cultura baiana, como revela o título.
O volume incorpora também uma outra ancestralidade, menos explícita, pois sai pela mesma editora Corrupio, que publicou no Brasil o trabalho do etnólogo e fotógrafo francês Pierre Verger (1902-1996).
Na verdade, a própria Arlete Soares fundou a Corrupio, em 1980, para publicar títulos hoje já clássicos de Verger, entre eles "Orixás" e "Retratos da Bahia".
Segundo ela recorda, "nenhuma das grandes editoras brasileiras se interessava por aquelas imagens antigas, das décadas de 40 e 50, sobre negros".
À época, além de se dedicar à iconografia de Verger - "um dos dez melhores fotógrafos do século, ao lado do qual meu trabalho é quase nada"-, Soares já estava em atividade.
Guardava, por exemplo, uma bela série de imagens de uma viagem de quatro mulheres à Índia, Nepal e Afeganistão (publicada em "Caminhos da Índia").
Verger, por seu lado, há muito já desistira de empunhar lentes; segundo ele, essa arte havia se esgotado ou se "esvaziado".
Na verdade, o "franco-baiano" mergulhara de tal modo nos mistérios da religião e cultura afro-brasileira, que preferia atuar como compilador e guardião dos seus mistérios, em vez de fazê-lo como artista.
A relação entre os dois fotógrafos envolveu a complexidade própria de uma colaboração entre editora e artista, e o fatumbi (amigo do rei, título ioruba) Verger, já então bastante idoso e doente, ganhou vida nova após as publicações.
Cores
Mas, ao contrário do mestre, que utilizava exclusivamente o desenho em preto-e-branco e compunha séries com rigor de antropólogo, Soares já fazia da cor o seu fundamento e transitava por um leque maior de temas.
Bem diversamente do Pelourinho monocromático de Verger (em seu livro "Centro Histórico de Salvador"), "Tatuagens" acompanha os novos tempos de uma Bahia cada vez mais enamorada da cor, as fachadas em tons de anil e cenário do Pelourinho restaurado.
Verger elogiava essa fotografia em termos peculiares, ressaltando que era "feita em cores, mas com a luz e o olhar do preto-e-branco".
"Tatuagens" organiza em sequências narrativas vários aspectos: a presença negra, a arquitetura (as fachadas e frontispícios, a estatuária barroca), a fé (as fantásticas romarias em Bom Jesus da Lapa e o candomblé), o Carnaval, a música popular (Caetano Veloso, Carlinhos Brown), a alimentação (o dendê, a mandioca em seus vários derivados), a paradisíaca costa baiana, o nativo indígena, entre outros temas.
As 207 fotos escolhidas compõem um painel impactante. Detalhes, flagrantes, fotos aéreas, bucólicas (cidade de São Félix) e composição em movimento (rinha de galos): todas as modalidades de fotografia servem à autora, que não teve receio de revelar beleza em temas muitas vezes espúrios ou kitsch, como na torre evangélica de pedra erguida ao pé de falésias, nos quiosques de brinquedos populares etc.
Há prefácio extremamente didático de Antônio Risério (também em inglês) sobre a história e costumes da terra.
As ressalvas evidentes são a escolha da capa, um mosaico poluído, e as identificações colocadas ao final do volume, dificultando a consulta.

Livro: Bahia Tatuagens Autora: Arlete Soares
Lançamento: ed. Corrupio Quanto: R$ 65 (232 págs.)
Patrocínio: Governo do Estado da Bahia Onde: Bar e Restaurante Mestiço (r. Fernando de Albuquerque, 277, Consolação, tel. 011/256-3165) Quando: hoje, a partir das 19h


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