São Paulo, Sexta-feira, 23 de Abril de 1999
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CARLOS HEITOR CONY
Quando sucesso é uma sucessão de suspeitas

Toda vez que estoura um escândalo dentro do atual governo, não faltam empresários, congressistas e colunistas que reclamam da impetuosidade da imprensa que divulga certos fatos. Evidente que já se registraram monumentais barrigas, envolvendo na maioria das vezes setores ou pessoas fora da vida pública. Lamentáveis, sem dúvida, porém isolados, uma vez que não provocam a impunidade que prevalece no setor oficial.
Com o recente escândalo envolvendo o Banco Central, os apagadores de incêndio levantam a teoria de que a imprensa só deveria revelar os fatos suspeitos após a devida e total apuração.
Numa palavra: o jornalista teria de ser policial, promotor, defensor gratuito do réu, juiz, corpo de jurados, instância superior e Supremo Tribunal Federal, tudo junto na comumente esquálida figura do repórter mal pago. Somente após todas as etapas de investigação, apuração e sentença, o fato deveria ser publicado.
Como um jornalista poderia ter acesso aos documentos pessoais de uma autoridade, a não ser por dolo ou traição de confiança? Quando estourou o caso do tarado do parque, condenaram-se (com razão) os jornalistas que se passaram por advogados. Não foi esse o caso dos procuradores do Rio que investigaram a casa do ex-presidente do Banco Central. Em primeiro lugar, e como o nome da função indica, eles são procuradores, ou sejam, procuram alguma coisa em nome do Ministério Público, que é pago pela nação exatamente para isso.
Evidente também que, ao contrário do que disse FHC em Londres, não houve arbítrio nem afobação por parte dos procuradores. Eles cumpriram a Constituição, munindo-se de um mandado tão legítimo quanto o mandato do próprio FHC, uma vez que outorgado pela autoridade competente, que é a Justiça.
A discussão sobre a ética dos procuradores é a tentativa inicial para abafar o ralo que faz sumir o dinheiro que deveria estar sendo empregado na saúde, na educação, na criação de empregos, na segurança pública. Esse ralo -e não é de hoje- é o Banco Central e entidades afins, como o BNDES.
Equivale em forma e conteúdo à mesma discussão sobre os arapongas que gravaram as conversas de Mendonça de Barros no caso das teles, e do ex-ministro Sérgio Motta no caso da compra dos votos para a reeleição de FHC.
Habituado a abafar todos os descalabros do setor, o governo deitou e rolou em cima da nação, julgando-se acima das leis e do bem público. Os acidentes de percurso, quando acontecem, são considerados afobações de neoburros e caipiras que não enxergam que o mundo é outro, que quem pode pode, quem não pode se sacode. (O ditado já era velho quando nasci, mas ficou absurdamente atual.)
Outra consideração curiosa. A equipe que FHC armou no Ministério da Fazenda, durante o governo de Itamar Franco, foi louvada como brilhante, desde os tempos de Licurgo e Solon nunca se reuniram cabeças tão ilustres para salvar o povo e engrandecer a nação.
Um a um, quase todos estão caindo sob o peso de graves acusações. Antes de mais nada, acusação de burrice, pois o plano que eles fabricaram foi um embuste que só enganou quem quis ser enganado. No curto prazo funcionou como cabo eleitoral, mas para isso precisou da cumplicidade da mídia que foi azeitada pelo próprio FHC, que tem fama de bom comunicador e, quando falha na comunicação, apela para outras formas de convencimento.
Mais tarde, surgiram as suspeitas (e algumas evidências) de improbidade. Quando estourou o caso das contas em Cayman, não foi difícil descobrir a fraude das provas então apresentadas. Eram documentos forjados, com ostensivo interesse eleitoral.
Mas que diabos, os indícios já eram consideráveis, e, a cada semana que passa, mais indícios há de um salve-se quem puder nos altos escalões do setor econômico-financeiro do atual governo. Os principais financiadores das duas campanhas que elegeram FHC estão tendo um maravilhoso retorno. Os financiados, além de usufruírem o poder, que, para quem gosta, é um vinho embriagador, estão tratando do próprio futuro quando o poder for parar em outras mãos. Seguem o conselho de Machado de Assis: sujam-se gordos.
Alguns se sujam menos gordos, e até mesmo magros. Pessoalmente, não acredito que FHC, como pessoa física, possa ser acusado de improbidade. Conheço os Cardosos de longa data, é gente honesta, fui amigo de alguns deles, não fazem o gênero. Mas a voracidade pelo poder revelada por FHC (que só conheço como homem público) está custando caríssimo ao povo brasileiro.
E também já está custando caro a ele próprio. Dia a dia, sua credibilidade cai. Não devia merecer a imagem que começa a ser formada: a do vulgar carreirista que topa tudo não pelo dinheiro, mas sim pelo poder.


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