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CARLOS HEITOR CONY
Quando sucesso é uma sucessão de suspeitas
Toda vez que estoura um escândalo dentro do atual governo, não faltam empresários,
congressistas e colunistas que
reclamam da impetuosidade
da imprensa que divulga certos
fatos. Evidente que já se registraram monumentais barrigas,
envolvendo na maioria das vezes setores ou pessoas fora da
vida pública. Lamentáveis, sem
dúvida, porém isolados, uma
vez que não provocam a impunidade que prevalece no setor
oficial.
Com o recente escândalo envolvendo o Banco Central, os
apagadores de incêndio levantam a teoria de que a imprensa
só deveria revelar os fatos suspeitos após a devida e total
apuração.
Numa palavra: o jornalista
teria de ser policial, promotor,
defensor gratuito do réu, juiz,
corpo de jurados, instância superior e Supremo Tribunal Federal, tudo junto na comumente esquálida figura do repórter
mal pago. Somente após todas
as etapas de investigação, apuração e sentença, o fato deveria
ser publicado.
Como um jornalista poderia
ter acesso aos documentos pessoais de uma autoridade, a não
ser por dolo ou traição de confiança? Quando estourou o caso do tarado do parque, condenaram-se (com razão) os jornalistas que se passaram por
advogados. Não foi esse o caso
dos procuradores do Rio que
investigaram a casa do ex-presidente do Banco Central. Em
primeiro lugar, e como o nome
da função indica, eles são procuradores, ou sejam, procuram
alguma coisa em nome do Ministério Público, que é pago pela nação exatamente para isso.
Evidente também que, ao
contrário do que disse FHC em
Londres, não houve arbítrio
nem afobação por parte dos
procuradores. Eles cumpriram
a Constituição, munindo-se de
um mandado tão legítimo
quanto o mandato do próprio
FHC, uma vez que outorgado
pela autoridade competente,
que é a Justiça.
A discussão sobre a ética dos
procuradores é a tentativa inicial para abafar o ralo que faz
sumir o dinheiro que deveria
estar sendo empregado na saúde, na educação, na criação de
empregos, na segurança pública. Esse ralo -e não é de hoje- é o Banco Central e entidades afins, como o BNDES.
Equivale em forma e conteúdo à mesma discussão sobre os
arapongas que gravaram as
conversas de Mendonça de
Barros no caso das teles, e do
ex-ministro Sérgio Motta no
caso da compra dos votos para
a reeleição de FHC.
Habituado a abafar todos os
descalabros do setor, o governo
deitou e rolou em cima da nação, julgando-se acima das leis
e do bem público. Os acidentes
de percurso, quando acontecem, são considerados afobações de neoburros e caipiras
que não enxergam que o mundo é outro, que quem pode pode, quem não pode se sacode.
(O ditado já era velho quando
nasci, mas ficou absurdamente
atual.)
Outra consideração curiosa.
A equipe que FHC armou no
Ministério da Fazenda, durante o governo de Itamar Franco,
foi louvada como brilhante,
desde os tempos de Licurgo e
Solon nunca se reuniram cabeças tão ilustres para salvar o
povo e engrandecer a nação.
Um a um, quase todos estão
caindo sob o peso de graves
acusações. Antes de mais nada,
acusação de burrice, pois o plano que eles fabricaram foi um
embuste que só enganou quem
quis ser enganado. No curto
prazo funcionou como cabo
eleitoral, mas para isso precisou da cumplicidade da mídia
que foi azeitada pelo próprio
FHC, que tem fama de bom comunicador e, quando falha na
comunicação, apela para outras formas de convencimento.
Mais tarde, surgiram as suspeitas (e algumas evidências)
de improbidade. Quando estourou o caso das contas em
Cayman, não foi difícil descobrir a fraude das provas então
apresentadas. Eram documentos forjados, com ostensivo interesse eleitoral.
Mas que diabos, os indícios já
eram consideráveis, e, a cada
semana que passa, mais indícios há de um salve-se quem
puder nos altos escalões do setor econômico-financeiro do
atual governo. Os principais financiadores das duas campanhas que elegeram FHC estão
tendo um maravilhoso retorno.
Os financiados, além de usufruírem o poder, que, para
quem gosta, é um vinho embriagador, estão tratando do
próprio futuro quando o poder
for parar em outras mãos. Seguem o conselho de Machado
de Assis: sujam-se gordos.
Alguns se sujam menos gordos, e até mesmo magros. Pessoalmente, não acredito que
FHC, como pessoa física, possa
ser acusado de improbidade.
Conheço os Cardosos de longa
data, é gente honesta, fui amigo de alguns deles, não fazem o
gênero. Mas a voracidade pelo
poder revelada por FHC (que
só conheço como homem público) está custando caríssimo ao
povo brasileiro.
E também já está custando
caro a ele próprio. Dia a dia,
sua credibilidade cai. Não devia merecer a imagem que começa a ser formada: a do vulgar carreirista que topa tudo
não pelo dinheiro, mas sim pelo poder.
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