São Paulo, terça-feira, 23 de maio de 2000


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Publicação inglesa lança edição comemorativa de aniversário, também nas bancas brasileiras
Revista, criada por Nick Logan, previu o aparecimento de ritmos musicais e fabricou hypes do mundo da moda
"The Face", a "bíblia", chega aos 20

Reprodução
Gisele Bündchen em foto de LaChapelle, o presente da dupla


ERIKA PALOMINO
COLUNISTA DA FOLHA

Não é pouca coisa quando uma revista de comportamento jovem completa 20 anos. Afinal, os jovens crescem, os jornalistas envelhecem, e o mundo vem mudando de maneira acelerada, sobretudo nos últimos 20 anos. Mas eis nas bancas, brasileiras também, o número de aniversário da inglesa "The Face", provando que é possível sobreviver com a cabeça acima da água. Bem, ao menos em Londres.
Uma vez e talvez para sempre batizada de "bíblia de estilo", a "Face" (como é informalmente chamada aqui) surgiu quando Margareth Thatcher estava no poder, e "os homens discutiam seriamente sobre chapéus", como o atual editor da revista, Johnny Davis, escreveu no editorial comemorativo. "Ninguém escrevia muito sobre roupa, música ou arte, e, se você estava interessado em pop, tinha de ler o "New Musical Express"."
De fato, mas já existia como ponto de partida uma tradição de leitura por parte da juventude inglesa, que sempre fez da informação musical um elemento de status cultural (basta ver as estantes de revistas nas megalojas de discos, sempre apinhadas). A idéia do jornalista Nick Logan, que criou a "Face", era tratar a cultura pop com "a mesma reverência e inteligência que outras manifestações da chamada alta cultura". Assim, o primeiro número, justamente em maio de 1980, dava capa para o grupo The Specials e o som da gravadora 2-Tone.
Ao longo dos anos 80, nos acostumamos a entender os elementos das "charadas" da revista, em que absolutos desconhecidos num momento se tornavam astros dois números depois. Foi quando o mundo travou contato com o excepcional trabalho do designer gráfico Neville Brody, autor do projeto da revista. Era o supra-sumo da modernidade.
As reportagens traziam o novo. No número 17, em setembro de 81, por exemplo, discutiam-se as mudanças relacionadas à chegada do aparelho de videocassete; o 24 falava de uma música que vinha com a popularidade de aparelhos portáteis: o rap, que já começava a atravessar o Atlântico rumo a Londres. Em setembro de 86, chegava a primeira resenha de um novo estilo musical, vindo de Chicago, a house music: "Vai ser grande", previu a revista. Já o tecno apareceu primeiro em 88, emergindo do underground de Detroit. Em 85, no número 58, saiu a primeira crônica sobre a vida noturna de Ibiza, o que serviria depois para dar o tom da revolução operada com a cultura acid house inglesa, quando a música eletrônica se combinava com o ecstasy -também habitué das páginas da revista.
Nos 90, os ponteiros recomeçam a contar, e a "Face" se reinventa, acompanhando e sugerindo hypes, criando personagens e personalidades, elegendo aqui, detonando ali. Marco zero: a histórica capa com uma adolescente sardenta e estranha, sem maquiagem -uma certa Kate Moss, fotografada com seus incipientes seios nus e um cocar de penas. O editorial de moda, totalmente despojado, quase doméstico, vinha assinado por uma ex-modelo chamada Corinne Day.
A partir dali, apoiada mais uma vez pela "i-D", a "Face" celebrava o estilo naturalista (ou realista) que dominou boa parte da fotografia de moda nos anos 90, ajudando a destronar a estética de glamour vigente nos anos 80. Juergen Teller, o fotógrafo alemão especializado em desmontar supermodelos, também colaborou.
Natural que, em alguns momentos dos anos 90, a "Face" tenha sofrido com a explosiva entrada de outras publicações no mercado, hesitando entre se voltar para o lado da moda, o que sempre dá "Ibope" (a "i-D" fez isso), ou avançar em reportagens de comportamento nem tão bombásticas quanto antes. Foi quando renovou seus colaboradores e trocou o projeto gráfico. Mudou também seu "approach", tentando acompanhar a sempre adolescente nação inglesa.
De alguns números para cá, tem conseguido manter o estranhamento que é também seu atrativo. Cada página representa, de novo, um mundo particular e a atitude evoca a curiosidade dos leitores. Em seu número de aniversário, isso acontece o tempo todo, com a assinatura de estrelas de ontem e de hoje do elenco da publicação.
Incríveis editoriais de moda embalam a edição, que tem momentos brilhantes cheios de brasilidade, como quando as top models tiram a roupa (Mariana Weickert também está nele); Gisele Bündchen se embrulha em plástico para David LaChapelle; e o stylist Felipe Velloso vira modelo para Mario Testino, em abusadas e divertidas fotos em Ipanema. Tudo com o delicioso projeto gráfico em que títulos e legendas são manuscritos, como se fossem "post-it". Bem, arranje mais espaço na estante. A "Face" continua item para colecionar.


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