São Paulo, domingo, 23 de maio de 2004

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CANNES 2004

"Diários de Motocicleta" termina com três prêmios paralelos

"Fahrenheit 9/11" leva a Palma de Ouro em Cannes

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

Cannes optou pela política. Um ano depois de fazer um discurso explosivo ao ganhar o Oscar de documentário por seu "Tiros em Columbine", o agitador norte-americano Michael Moore recebeu ontem à noite do júri presidido por seu compatriota, Quentin Tarantino, a Palma de Ouro do Festival de Cannes pelo libelo anti-Bush "Fahrenheit 9/11". "Diários de Motocicleta", do brasileiro Walter Salles, que chegou como azarão, nada levou.
"O que vocês fizeram?", começou Moore, sorrindo e olhando para o júri, para depois emendar: "Um grande presidente republicano, não igual a este que temos hoje, falou uma vez que, se você disser a verdade ao povo, a República será salva. Foi Abraham Lincoln. Muitos querem a verdade na América, e nós a teremos".
Moore já havia dito à imprensa que esperava, com seu documentário, influenciar as eleições presidenciais norte-americanas de novembro, em que Bush tentará a reeleição concorrendo com o senador democrata John Kerry.
Pois o mesmo tom dominou a noite de ontem. Já no começo da cerimônia, o curta-metragista que levou o prêmio do júri, o belga Jonas Geirnaert, diria: "Eu não sei se os americanos estão nos assistindo, mas, se estiverem, por favor, não votem em Bush. Na seqüência, o ator Tim Roth, que presidia o júri do prêmio Caméra d'Or (para diretores estreantes), falaria: "Eu concordo com ele, nós não devemos votar no Bush".
Entre os outros premiados, prevaleceu a preferência de Tarantino pelo cinema asiático, que venceu quatro categorias de sete categorias: Grande Prêmio (uma espécie de vice-palma) para "Old Boy", do sul-coreano Chan-Wook Park; Prêmio do Júri para "Tropical Malady", do tailandês Apichatpong Weerasethakul; atriz para a chinesa Maggie Cheung, por "Clean"; e ator para Yuya Yagira, de apenas 14 anos, por "Nobody Knows", do japonês Hirokazu Kore-Eda.
As surpresas ficaram por conta de melhor direção, que foi para o argelino Tony Gatlif pelo fraco "Exils", e o outro prêmio do júri, concedido para a veterana atriz negra Irma P. Hall, por seu papel na fraca refilmagem "Matadores de Velhinha", dos irmãos Coen. E o cinema francês não saiu de mãos abanando: ao intricado e bem-resolvido roteiro de "Olhe para Mim", de Agnes Jaoui, foi dado o prêmio da categoria.
Não é a primeira vez que um documentário recebe a Palma de Ouro -em 1956, "O Mundo do Silencio" (Le Monde du Silence), de Louis Malle e Jacques Cousteau, sobre a vida submarina.

E o brasileiro?
E o que aconteceu com o filme do brasileiro? "Diários de Motocicleta" foi o segundo filme mais aplaudido do festival (13 minutos), atrás apenas do próprio "Fahrenheit 9/11" (23 minutos).
Nas horas que antecederam a premiação, Walter Salles recebeu três prêmios que poderiam apontar uma tendência, o François Chalais, concedido pelo Ministério da Cultura da França e pelo Centro Nacional Francês de Cinematografia, o Prêmio Cidade de Roma - Arco-Íris Latino, do Instituto Internacional para Cinema e Audiovisuais de Países Latinos, e o Prêmio do Júri Ecumênico.
O que aconteceu tem nome e sobrenome: George W. Bush e Quentin Tarantino. O primeiro enfrenta crítica mundial pela atuação do Exército norte-americano no Iraque pós-invasão.
Já o segundo nome é intimamente conectado ao cinema asiático -além de ter declaradamente tirado de filmes da região, especialmente Hong Kong e Japão, várias idéias para cenas de seus próprios longas, é Tarantino quem apresenta os DVDs do chinês Wong Kar-wai nos EUA.
O que se esperava é que, à frente de um júri que avaliaria filmes do mundo inteiro, Tarantino não fosse Tarantino e olhasse com mais cuidado cinematografias estranhas à sua formação, como a brasileira de "Diários" ou a argentina de "La Nina Santa".
De alguma maneira, porém, "Diários de Motocicleta" foi reconhecido: seu diretor de fotografia, o francês Eric Gautier, levou o Prêmio Técnico da noite, pelo trabalho realizado tanto no filme de Salles quanto em "Clean", também em competição.


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