São Paulo, domingo, 23 de maio de 2004

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CRÍTICA

Dramalhão eficaz marca estréia de "Seus Olhos"

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Há duas coisas admiráveis -por razões diametralmente opostas- em "Seus Olhos". A primeira é o desleixo com a produção; a segunda, a eficiência do texto "mexicano". Não estão necessariamente relacionadas, mas ambas parecem constituir uma fórmula que vem se impondo como alternativa ao novelão da Globo. A novela, que estreou na última terça-feira, registrou índices de audiência considerados bons para a emissora e horário -média de 8 pontos, com picos de 10, no Ibope.
O descaso com a produção é de tal monta que a explicação deve ser procurada para além da redução de custos. A novela começa nos "anos 80", mas absolutamente zero esforço de caracterização de época foi feito. Vestuário, cabelos, objetos de cena, linguagem, referências culturais; nada remete o espectador a 20 anos atrás.
E há mais, é evidente. Um grupo de personagens, os chamados "pobres", vive numa "periferia" sociológica e cenograficamente inverossímeis. As moças recém-formadas na faculdade ou bem são interpretadas por atrizes uma década mais velhas ou foram tão mal penteadas e maquiadas que assim parecem. Como se trata de uma novela paulistana, evidentemente há uma personagem com sotaque carcamano, só que interpretada por uma atriz com tipo físico nada italiano e com brincos de espanhola... A lista poderia continuar por mais vários parágrafos.
OK, fica mais barato não encomendar pesquisa, não fazer figurino de época, contratar quem está à mão e não quem é mais adequado etc., mas, para além daquilo que se poderia atribuir à racionalidade empresarial, emerge a suspeita de que o desleixo é proposital, regido por uma espécie de mesquinhez programática. Como se a emissora estivesse declarando que é isso mesmo, e apenas isso, que seu espectador merece.
Em outra ponta, tanto o roteiro quanto os diálogos surpreendem pela fluência. É tudo muito simples e esquemático, claro, mas funciona bem: a mocinha é doce, boa, o vilão é de fato inescrupuloso, a má sorte da mocinha se anuncia por vários indícios, os núcleos da novela se tocam de maneira plausível. Mesmo que a versão brasileira tenha sido mexida -e Ecila Pedroso, a tradutora e responsável pela adaptação, declarou ter modificado bastante o texto da cubana Inés Ródena-, o essencial do dramalhão permanece quase intacto.
O folhetim latino-americano, matéria-prima das telenovelas brasileiras desde a década de 60, tem uma permanência impressionante. Não importa a nacionalidade dos autores -daí as aspas no "mexicano" lá de cima- nem a origem da produção, a emoção carregadas nas tintas, as mães-coragem, as crianças que sofrem com a crueldade dos adultos, o "destino" que prega peças aos amantes continuam sendo elementos capazes de servir de base a um tipo de ficção ainda válido no século 21.

@: biabramo.tv@uol.com.br


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