São Paulo, domingo, 23 de maio de 2004

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Restaurantes de alto padrão oferecem óculos para clientes que não conseguem ler as miúdas sugestões do menu

Miopia chique

LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Cardápio nas mãos, o casal parece indeciso. Aproxima e afasta do rosto as sugestões do restaurante chique de São Paulo, aparentemente sem saber o que pedir. O maître aparece, polido: "Posso ajudar?".
Em vez de desfiar os detalhes das opções gastronômicas da casa, o homem oferece um estojo preto, bonito, semelhante aos de charutos ou de saquinhos de chás finos. Sobre a forração de veludo negro da embalagem, seis pares de óculos de leitura chegam em socorro do casal, cuja idade gira em torno de 40 anos.
Eles não estavam indecisos: simplesmente não enxergavam o que está escrito no menu.
Quem já passou dos 40, está com a popular "vista cansada", esqueceu os óculos em casa ou não quer comprometer a estética pode vivenciar a cena acima em diversos bons restaurantes de São Paulo e alguns do Rio, que estão disponibilizando óculos de leitura para que os clientes tenham como ler confortavelmente as opções do menu, da carta de vinhos e mesmo a conta.
É um hábito em casas de prestígio no exterior, como a do chef francês Alain Ducasse, em Nova York, que atende a uma clientela madura, aquela de poder aquisitivo suficiente para garantir a freqüência das boas casas do ramo, mas que não se dá bem com as lentes de aumento.
A "vista cansada" não é a mesma coisa que miopia. O transtorno que impede que se enxergue bem de perto chama-se presbiopia e atinge indiscriminadamente homens e mulheres a partir dos 40 anos.

Luz ambiente
O bistrô ICI, em Higienópolis, aderiu há pouco à moda: dispõe de um estojo com óculos entre 0,5 e 3,5 graus. "Para manter o ambiente mais agradável, nossa iluminação é baixa, o que naturalmente dificulta a leitura", diz o chef Benny Novak.
Ele adquiriu seu estojo da especialista em óptica Adriana Mourad, que está disseminando a onda em São Paulo. "Vi isso em Milão e tive a idéia de montar os kits para os restaurantes daqui. A receptividade tem sido muito boa. Há estojos de três e seis pares, todos importados", diz ela.
Conforme Mourad, os restaurantes DOM, Empório Ravioli, Pasta e Vino e casas do grupo Fasano já aderiram ao kit, e outros como La Casserole, Famiglia Mancini e Terraço Itália podem adquiri-lo em breve.
Um dos restaurantes mais badalados do mundo, o de Alain Ducasse, de Nova York, é pioneiros nessa área. Mas, claro, com glamour de Primeiro Mundo, segundo conta a especialista em gastronomia Rosa Moraes. "Estive lá para um almoço com o Ducasse e, enquanto o aguardava, o maître me ofereceu alguns livros do chef. Mas eu estava sem meus óculos de leitura. "No problem, madam", disse ele, oferecendo uma caixa de madeira linda, imitação de um livro de Hemingway. Dentro havia uma coleção de óculos modernos e antigos, chiquérrimos, de graus e modelos variados. Achei o máximo", afirma a gourmet, para quem a iniciativa dos restaurantes brasileiros vai facilitar a vida de muita gente.
Isso já acontece com a seleta clientela do restaurante Fasano. A direção do estabelecimento informa que considera sua obrigação fazer todo o possível para tornar o serviço impecável e oferecer todas as comodidades para que o jantar seja perturbado o mínimo possível. Portanto, o cliente tem à sua disposição óculos de diferentes graus, mas que só são apresentados quando requisitados.
A idéia de oferecer óculos para o uso de pessoas diferentes não é, no entanto, uma unanimidade. "Acho meio anti-higiênico um mesmo óculos ser usado por mais de uma pessoa. Será preciso cuidado por parte do pessoal do restaurante", diz o oftalmologista Marcelo Cunha. "O ideal seria cardápios com letras grandes e iluminação adequada, mas isso não ocorre."
Para os que sempre "esquecem" os óculos de leitura, Cunha desenvolveu uma opção, que costuma oferecer de brinde a pacientes e amigos: pequenas réguas de acrílico, que aumentam as letras. "Não é preciso colocar no rosto, basta aproximar das letras do cardápio de acordo com a necessidade de cada um", afirma.
Sem os kits em estojo ou as réguas de aumento do especialista, restaurantes do Rio de Janeiro improvisam. No Carême há três pares de óculos de acrílico à disposição dos clientes. São de graus diferentes, ""mas todos ajudam de alguma forma", diz a chef Flávia Quaresma. Ela afirma que os comprou porque cresceu vendo o pai discutir com a mãe porque ela esquecia os óculos e ninguém enxergava nada na hora de conferir a conta. ""É essencial e fundamental para que casais não briguem, como meu pai e minha mãe."
O Antiquarius também tem três óculos à disposição dos clientes: dois foram comprados e um foi ""doado" por um cliente que sempre esquecia o seu e preferiu deixar um lá.


Colaborou Cleo Guimarães, da Sucursal do Rio


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