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Moretti escapa de panfleto em longa
Diretor italiano apresenta no Festival de Cannes o político "Il Caimano", que critica o ex-premiê Silvio Berlusconi
Além do filme do cineasta, competição também exibiu novo longa de Kaurismäki, que completa a "trilogia da exclusão" do finlandês
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES
É marca do cineasta italiano
Nanni Moretti interpretar o
protagonista de seus filmes.
"Não desta vez", disse o diretor
sobre "Il Caimano", exibido ontem na competição pela Palma
de Ouro, no Festival de Cannes.
Contudo, em "Il Caimano",
codinome que o filme dá ao ex-premiê italiano Silvio Berlusconi, Moretti faz o papel de
Berlusconi. De um Berlusconi
colérico como o "original",
num discurso em que derrama
frases como: "A anomalia da
Itália são os comunistas e seu
ódio contra mim. Fiz na Itália
em cinco anos mais do que a esquerda fez em 50".
Sendo Moretti um símbolo
da esquerda italiana e do engajamento anti-Berlusconi, é
uma surpresa vê-lo na pele do
inimigo. Surpresa que o cineasta guarda deliberadamente
apenas para o fim do filme. "Somos habituados ao inabituável.
As palavras ditas por Berlusconi não fazem mais efeito. Eu
queria restituir a gravidade e o
peso delas."
Até que Berlusconi/Moretti
entre em cena, o protagonista
de "Il Caimano" de fato é outro:
Bruno Bonomo, um produtor
de cinema decadente, que o
ator Silvio Orlando interpreta
com brilho.
Bonomo está há dez anos
sem conseguir produzir um filme e afogado numa crise familiar quando recebe da jovem
Teresa (Jasmine Trinca, revelada por Moretti em "O Quarto
do Filho") o roteiro do primeiro longa que ela pretende dirigir. O filme se chama "Il Caimano" e é baseado na biografia de
Berlusconi.
Moretti usa com engenho o
recurso de encaixar um filme
dentro de outro. Com as tramas
em paralelo, ele tem a chance
de desviar o foco de Berlusconi
e ganhar uma dimensão além
da política.
As trajetórias particulares de
Bonomo e Teresa permitem ao
cineasta passear por um universo mais amplo de emoções e
temas, e variar também registros narrativos, indo da comédia ao drama.
Caminho estreito
Em suma, "Il Caimano" é um
título político de um cineasta
maduro e certo de que "fazer
um filme com o fim de mudar a
cabeça de alguém ou despertar
consciências é seguir por um
caminho estreito, que, quase
invariavelmente, resulta em filmes ruins."
Moretti e o finlandês Aki
Kaurismäki -cujo "Laitakaupungin Valot" também foi exibido ontem- reergueram o nível da disputa, que havia caído
no fim de semana, pautado por
títulos fracos, à exceção do turco "Iklimer" (leia nesta página).
Último título da "trilogia da
exclusão" de Kaurismäki ("Nuvens Passageiras", "O Homem
Sem Passado") "Laitakaupungin Valot" é um filme belo e rigoroso sobre a solidão, ou sobre
"alguém que não tem ninguém", na definição do diretor.
O solitário em questão é
Koistinen (Janne Hyytiainen),
homem jovem, trabalhador
sem qualificação, levado à prisão pelas armadilhas de uma
loira fatal e seu amante inescrupuloso.
Kaurismäki filma seu anti-herói com compaixão, mas o
afasta da autopiedade. O filme
tem poucos diálogos e uma música tão triste como o tango
"Volver", na voz de Gardel.
Irônico e brincalhão, Kaurismäki reagiu bem-humorado,
ontem, quando questionado
sobre a coincidência entre a
música de seu filme e o longa
"Volver", do espanhol Pedro
Almodóvar, também na competição pela Palma. "Pedro passou toda a carreira dele me imitando. Desta vez, roubou minha canção", brincou.
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