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Música
Áurea Martins canta seu repertório noturno
LUIZ FERNANDO VIANNNA
DA REPORTAGEM LOCAL
Cantando sambas na animada Lapa carioca, nos últimos sete anos, Áurea Martins foi descoberta ou redescoberta por
muita gente. Mas sua carreira
está mais ligada a enfumaçadas
casas que nem existem mais na
zona sul do Rio, e onde suas fãs
e mestras Elizeth Cardoso e Zezé Gonzaga iam vê-la cantar boleros e sambas-canções.
"Até Sangrar", apenas seu
terceiro disco em quase 68 anos
de vida (completa em junho) e
45 de profissão, é um trabalho
"de noite", cheio de Lupicinios
e Heriveltos, fazendo jus ao domínio que tem do repertório
cuidado-com-os-pulsos.
"Não me incomoda ser chamada de cantora da noite. As
maiores oportunidades que eu
tive foram na noite, que me ensinou até onde ir como artista.
O lado ruim é que se engole
muita fumaça e as pessoas ficam conversando enquanto você canta. Fui me acostumando,
mas não quero mais", diz ela.
O CD foi produzido por Herminio Bello de Carvalho, que
também escolheu as músicas
ao lado do pianista Zé-Maria
Rocha, acompanhante de Áurea há décadas. É desaconselhável para cardíacos: "Ilusão à
Toa" (Johnny Alf), "Pensando
em Ti" (Herivelto Martins/David Nasser), "Há um Deus" (Lupicinio Rodrigues), "Ocultei"
(Ary Barroso), "Molambo"
(Jaime Florence/Augusto
Mesquita), "Volta" (Lupicinio)
e mais 15 canções, algumas
agrupadas em medleys.
"Umas coisas sangram o coração, mas não chega a ser um
disco triste. Eu dou uma interpretação forte, para não ficar
muito para baixo. Depende
também do estado de espírito
de quem ouve", avisa ela, que
gravou até "Nada por Mim"
(Herbert Vianna/Paula Toller).
Sem atenção
Foi nos anos 80 que, ouvindo-a cantar "Embarcação"
(música de Francis Hime e Chico Buarque que fecha o CD),
Herminio encantou-se com
Áurea. Mas só agora o desejo de
produzir um disco se realizou,
após ela ter feito um caprichado (em 1972, com Tamba Trio e
Paulo Mendes Campos), mas
que não decolou, e um outro
(2003) aquém de seu talento.
"Nunca prestaram muita
atenção em mim. Ficava meio
sentida, achando até que era
preconceito racial. Mas não
acho mais isso", diz Áurea.
Nascida em Campo Grande
(zona oeste do Rio), ela cresceu
ouvindo música: a avó tocava
banjo, o pai era violonista, um
tio se chamava João Clarinete,
o outro tocava saxofone, a mãe
cantava no coral da igreja e o irmão compõe. Virou crooner cedo, apesar do temor materno.
"Na minha família, para ser
músico, era preciso ter um emprego", conta. Acabou fazendo
concurso para inspetora de colégio e foi trabalhar com a avançada educadora Henriette
Amado. "Ela me chamava no
gabinete para eu cantar. Quando ela teve de sair por causa da
ditadura [em 1971], saí também
e fui viver de música", conta.
Na noite, Áurea dividiu o palco com o novato Djavan e conheceu Alcione e Emílio Santiago -que participam do CD, assim como João Donato e
Francis Hime. Nos anos 2000,
quando poderia ruir junto com
a antiga noite carioca, virou a
decana das cantoras da Lapa.
"Ganhei uma certa modernidade de interpretação", diz ela,
que ainda integra a Orquestra
Lunar, formada por mulheres.
ATÉ SANGRAR
Artista: Áurea Martins
Gravadora: Biscoito Fino
Quanto: R$ 30, em média
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