São Paulo, sábado, 23 de maio de 2009

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Crítica

"Cine Privê" trata da sexualidade em prosa segura

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

O universo dos contos de Antonio Carlos Viana, que lança agora mais 20 textos curtos em "Cine Privê", pela Companhia das Letras, é cheio de pequenos espantos, de transgressões mínimas que iluminam a vida dos personagens, da sexualidade incontornável de adolescentes e velhos, de uma compreensão muito delicada dos limites que ultrapassamos no cotidiano e de como eles nos dão forma e nos definem.
Prostitutas, pais cruéis ou ignorantes, velhos em busca de prazer e crianças apenas tentando entender as coisas do mundo se sucedem nas histórias, que terminam, invariavelmente, de modo abrupto e melancólico: "Sem mais querer, disse: "Pra mim, a vida acabou", e começou a chorar. Minha mãe com ele, nós depois, e todo mundo também".
Em alguns textos, fica evidente a dívida do escritor com Rubem Fonseca (como em "Duas Coxinhas e um Guaraná") e Clarice Lispector ("Eliazar, Eliazar"), mas Viana, que lançou o primeiro de seus livros de ficção há mais de 30 anos, é um autor seguro, consciente de suas influências e de como pode manipulá-las em benefício do que produz.

Precisão e ritmo
Ainda que sua literatura não traga grandes ousadias formais, escreve com uma firmeza que não se encontra de modo rotineiro. A leitura dos contos de "Cine Privê" não provoca aquela sensação tão comum de que trechos deveriam ser cortados, de que o tom ou o ritmo estão inadequados, de que a narrativa não tem coerência interna.
Aqui o ajuste é preciso: "Do terceiro velho conto depois. Primeiro falo dos dois que me pegaram na esquina. Fui dizendo logo meus preços, é a primeira coisa que digo. Falei coisa e tal, quanto era com os dois juntos, um de cada vez, e eles chegaram logo a um acordo, cada um pagou a sua parte. Comigo é primeiro dinheiro na mão, que não sou de levar furo".
Enfim, é um autor que merecia ser conhecido por mais gente. Por isso, para quem se interessar por "Cine Privê" fica a recomendação para conferir também "Aberto Está o Inferno" e "O Meio do Mundo e Outros Contos", que traz uma antologia dos três primeiros livros publicados por Antonio Carlos Viana com organização de Paulo Henriques Britto (ambos também publicados pela Companhia das Letras).

ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.


CINE PRIVÊ
Autor: Antonio Carlos Viana
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 32,50 (128 págs.)
Avaliação: ótimo



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