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Conheci a sororoca! Nunca mais serei a mesma
NINA HORTA
especial para a Folha
O mundo dos peixes sempre me
colocou a uma distância respeitosa
de suas águas profundas. O peixe
congelado da banca não me atrai
com seu cheiro maroto. Aliás,
minto. Sinto nos peixes de água
doce, nas piabas, traíras e bagres,
no seu hálito de lama, uma atávica
fascinação, uma intimidade de outras eras que me dá um certo medo
e que me afasta também.
Então, por estas e por outras, o
máximo que já fiz foi
pescar umas piabinhas
com vara.
As férias em Parati
começam mesmo é em
maio. É quando o ar fica grávido de ouro, o
mar insuportável de
azul, o verde terno.
Pois foi assim, num
dia assim, que descobri o peixe. O barqueiro já estava de cara
amarrada quando chegamos. É preciso acordar cedo e respeitar as
marés quando se vai ao
mar e quando se quer
pescar. E ele, o Tatuí,
fantasiado de marinheiro, é na verdade
um pescador.
Havia prometido iscas de camarões e levamos varas, mas resolve
na última hora que não
quer nada disso. Dá a
cada um meio tijolo de
isopor sujo, ou um pedaço de madeira enrolado com um fio de náilon. Era como se fôssemos às pipas, aos papagaios.
Na ponta da linha vinha amarrado um pedacinho de borracha hospitalar, recortado, bege, que tremulava ao menor movimento.
Tatuí foi direto para um ponto
do mar, fez com que desenrolássemos os carretéis e começou a rodar
o barco em longos círculos, vagarosos, com um quê de enjoativo.
Na cara de todos, um vago recato,
como se estivéssemos sendo feitos
de bobos, cara de "só vendo que
acredito" nesta pesca de corrico.
Fisgo o primeiro peixe. Vou enrolando a linha no tijolo, o Tatuí
solta o leme e pula sobre o aparato
da pescaria. Vai puxando a linha e
deixando que ela caia molemente
no chão para ir mais rápido. O peixe aparece, grande em relação às
pescarias familiares, e deixa um
ressaibo de frustração. Afinal,
quem sentiu a puxada do peixe? De
quem é o peixe? Quem merece pescar o peixe?
E a história vai se repetindo. Lá
pelo sexto bicho a filha já se deitava
no fundo do barco, mareada. As
sororocas, pois eram sororocas,
depois de muita estabanação, cuspição de sardinhas, esticavam-se
brilhantes, duras, hieráticas, simbólicas. Um peixe lindo. Dá um
pouco de pena que disfarçamos
querendo saber o nome científico,
o nome francês e inglês.
Agora, sim, vou poder traduzir
este peixe sem problema. Não é um
dicionário que vai me guiar. Conheço o peixe, pesquei o peixe, sou
parte de sua história, minha filha o
desenhou na perfeição, dona Almerinda fritou em postas,
comemos o peixe, sabemos o peixe (só assim,
acredito, pode-se traduzir
o peixe).
O nome em português é
sororoca e se enrola gostosamente na língua. O
nome científico é Scomberus maculatus. Em inglês, "spanish mackerel". Olho bem de perto,
tem o dorso azul esverdeado, metálico de lata.
Nos flancos é como se fosse coberto de papel finíssimo de prata e, sobre esta
prata, quatro carreiras de
pontos redondos e dourados. Bolas douradas!
É um peixe duro, aerodinâmico, o corpo cortado por uma linha horizontal como se houvesse
sido costurado com ponto-a-jour. Nunca vi nem
senti coisa mais linda. Fomos seduzidos pelo canto
desta sororoca. Nunca
mais seremos os mesmos.
E-mailąninahort@sanet.com.br
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