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CARLOS HEITOR CONY
Pequena história de um grande estádio
Em termos de história é
pouco. Mas, em se tratando
de Brasil, um cinquentenário é
sempre alguma coisa. Daí a celebração, mais do que justa, dos
primeiros 50 anos do estádio Mário Filho, também conhecido como Maracanã, nome de um rio
que atravessa o bairro homônimo, nos inícios geográficos da zona norte carioca.
Era um senhor terreno, na minha infância já estava desativado. Ali funcionara o Derby Club,
que perdera importância quando, em 1926, parece, o Jockey Club
fez seu hipódromo, na Gávea.
Lembro-me de uma festa da
primavera que ali se realizou,
umas bananeiras de papel crepom e uma charanga tocando
marchinhas de Carnaval, moças
de perna de fora dando um beijo
nas crianças que chegavam em
busca das maravilhas primaveris,
que afinal ficavam reduzidas
àquele beijo. Como sempre, eu esperava mais.
Até que Mário Filho, dono do
"Jornal dos Sports", passou a lembrar todos os dias que o Brasil seria sede da Copa do Mundo, então chamada de Copa Jules Rimet, a primeira no pós-guerra.
Em 1938, ela se realizara na França, fora ganha pela Itália. No ano
seguinte, estourou o conflito
mundial que duraria até 1945. E o
Brasil sediaria a próxima, em
1950.
Não tínhamos estádios. Em São
Paulo havia o Pacaembu, bom e
confortável para a época. Mas, no
Rio, então capital do país, o
maior estádio era o do Vasco,
com capacidade para 35 mil pessoas.
Como sempre, não havia dinheiro para a construção de um
estádio maior e melhor. A idéia
inicial foi fechar o campo do Vasco, cuja arquibancada tem a forma de U. Fechando-se a ferradura, caberiam mais cinco mil pessoas. Era pouco e era burro.
Mário clamava por um novo estádio, todos os dias, com aquele
estilo saboroso, que seu irmão
Nelson Rodrigues copiava sempre
que podia. Até que o assunto bateu na Câmara do Distrito Federal, onde se reuniam os vereadores cariocas, na primeira legislatura municipal após a queda da
ditadura do Estado Novo, que colocara todos os poderes legislativos em recesso.
Tivemos então uma briga de titãs entre os dois vereadores mais
votados do Rio: Carlos Lacerda,
futuro governador, e Ary Barroso,
que era considerado o nosso compositor mais importante, com os
filmes de Walt Disney universalizando seus sucessos, como
"Aquarela do Brasil", "Na Baixa
do Sapateiro", "Os Quindins de
Yayá", "No Tabuleiro da Baiana"
e outros.
Os dois pertenciam ao mesmo
partido, a União Democrática
Nacional (UDN), que tinha o
prestígio de ter derrubado a ditadura de Vargas. Em tempo: uma
das bobagens mais estúpidas, frequente nos críticos e especialistas
de nossa música popular, é atribuir uma promiscuidade entre
Ary Barroso e o Estado Novo.
Os sambas-exaltação não foram encomendas da propaganda
ditatorial. E Ary formou entre os
mineiros que ajudaram a derrubar o regime totalitário, filiando-se inclusive ao principal partido
de oposição a Vargas.
A briga teve dois rounds. Primeiro, Lacerda torpedeou toda e
qualquer idéia de se gastar dinheiro para a construção de um
novo estádio. O do Vasco servia.
Ele achava que um estádio monumental, como o que estava sendo projetado, seria um natural
aliado do próximo ditador, que
disporia, como Hitler e Mussolini,
de um cenário adequado para
reunir a massa. Vargas se utilizava do campo do Vasco e ficara no
poder por 15 anos. Com um estádio quatro vezes maior, ficaria
por 60 anos.
Ary entrou com som e fúria, lutando para que o estádio fosse feito. E fosse feito no Maracanã, de
acesso fácil, quase ao meio da cidade, equidistante da zona sul e
da zona norte.
Derrotado no primeiro tempo,
Lacerda sugeriu que o estádio fosse feito em Jacarepaguá. Ainda
hoje, 50 anos depois, local longínquo pra burro.
Com sua oratória inflamada, já
sendo considerado o maior orador da história do Brasil, Lacerda
arrebanhou aliados, e o projeto ia
para o brejo. Foi quando Ary deu
um golpe de mestre, atraindo para sua idéia a bancada do Partido
Comunista, que era a maior naquela legislatura, 18 vereadores,
todos cassados quando o presidente Dutra promoveu o fechamento do registro eleitoral do
partidão.
Entre os vereadores do PCB estavam nomes famosos, como
Agildo Barata, o Barão de Itararé, Octávio Brandão, Lia Corrêa
Dutra, Iguatemi Ramos e Campos da Paz.
A briga foi de cachorro grande.
Lacerda era um grande orador.
Com sua voz potente ele ajudaria
a derrubar três presidentes da República (Vargas, Jânio e Jango).
Mas Ary não ficava atrás, sua
voz rascante era a mais conhecida e imitada do rádio brasileiro,
pois além de compositor número
um, era o locutor esportivo mais
conhecido dos brasileiros.
Venceu a partida. O estádio seria construído no Maracanã, ficou pronto uma semana antes do
primeiro jogo da Copa do Mundo. Quando Didi fez o primeiro
gol do novo estádio, num amistoso entre cariocas e paulistas, as
arquibancadas ainda cheiravam
a cimento fresco. E tremeram.
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