|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
BALÉ
Coreógrafo traz ao país sua nova companhia e conta com Márcia Haydée
"A vida sem a dança não me interessa", afirma Béjart
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
Maurice Béjart, 76, nome associado à revolução da dança na década de 50, continua ativo e disposto a novas empreitadas. Sua
coreografia "Madre Teresa e as
Crianças do Mundo" (2002) marca o início da Compagnie M., que
estará em turnê pelo Brasil a partir desta semana, com participação de uma grande estrela da dança brasileira, Márcia Haydée.
Béjart iniciou esse grupo de jovens recém-formados na sua própria escola, a Rudra, com a intenção de aproveitar um número
maior de talentos -já que o Béjart Ballet Lausanne não tem como absorver mais do que dois ou
três novos integrantes por ano.
Pelos gestos, pela música, pelas
palavras, Béjart desde sempre
quer exprimir a humanidade no
homem; e seus movimentos vêm
carregados de teatralidade.
Em 1955, na "Symphonie pour
un Homme Seul", seu primeiro
grande sucesso, com música concreta de Pierre Schaeffer e Pierre
Henry, Béjart já tratava dos tormentos e fracassos da alma. Com
a criação da "Sagração da Primavera" (1959), foi consagrado internacionalmente.
Esse triunfo levou à fundação
do Ballet do Século 20, em Bruxelas, em 1960. A partir do ano de
1987, a companhia se muda para a
Suíça, rebatizada de Béjart Ballet
Lausanne.
Béjart transformou a imagem
do bailarino: "Uma presença carnal e jovem" na cena -com todo
excesso que essa abertura possa
sugerir. Ao tratar diretamente das
realidades de sua época, por meio
de uma dança multicultural, conquistou um público enorme e fiel.
Continua seguindo seu caminho. Em "Madre Teresa...", as
músicas vão de cantos folclóricos
do Rajastão a composições de
Hugues le Bars, passando por
Bach, Mozart e música pop, dançadas por bailarinos de várias nacionalidades. Para o próximo
ano, Béjart foi convidado pelo governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima, a criar um balé inspirado na cultura do Nordeste.
Veja abaixo trechos de sua entrevista exclusiva para a Folha,
por telefone, de Lausanne.
Folha - Qual o aspecto principal
da nova coreografia?
Maurice Béjart - São mensagens
de amor, de humanidade, para
ajudar um pouco este mundo,
que hoje está... a grande merda
que se sabe. São idéias de Madre
Teresa, ditas por Márcia Haydée,
encontrando jovens do mundo
todo. A coreografia é influenciada
por essa variedade cultural. Sempre seguindo o pensamento de
Madre Teresa, que não distingue
nacionalidades -o que importa
são as pessoas.
Folha - Como o senhor vê o papel
da religião no mundo hoje?
Béjart - O mundo está catastrófico, precisamos crer em alguma
coisa. Não sou por essa ou aquela
religião. Mas o homem que não
pensa que há algo além do ser humano está perdido. O materialismo é a perda do ser humano.
Folha - O que significa a letra M
do nome da companhia?
Béjart - A letra M me lembra de
muitas coisas importantes: meu
nome, a música, Márcia (que contribuiu muito na coreografia),
Madre Teresa. Lembra coisas que
amo. E seu som, em francês, é de
amor, "aimer" [amar].
Folha - Como o sr. vê a participação de Haydée na coreografia?
Béjart - Para os jovens intérpretes é muito importante contracenar com alguém com tanta experiência quanto Márcia. É formidável ver como transforma sua
carreira, sempre muito forte, cada
vez de maneira diferente. Nessa
coreografia, ela não é a estrela que
foi quando dançou no Stuttgart
Ballet: é uma mulher que adora
crianças.
Folha - Como o sr. concilia as atividades do Béjart Ballet Lausanne
com as do novo grupo?
Béjart - Trabalho todo o tempo.
Não posso acompanhar as turnês
dos grupos. Mas, de qualquer maneira, meu trabalho é no estúdio
com os bailarinos. Acordo, vou
para o estúdio, ensaio; à noite, assisto aos balés que criei. Não posso separar minha vida da dança. A
vida sem a dança não me interessa. Se não danço, morro.
Folha - O que o sr. acredita ser
mais importante na formação de
um bailarino?
Béjart - Conhecer a vida e ao
mesmo tempo ter grandes possibilidades técnicas. Como um esportista. O bailarino é um esportista filósofo. Precisa trabalhar seu
corpo e entender ao mesmo tempo o que se passa na vida, os problemas que estamos vivendo.
Folha - O sr. costuma dizer que a
dança é a mais essencial das artes,
porque após o espetáculo "não resta nada". Poderia comentar essa
afirmação?
Béjart - Só "resta" alguma coisa
quando se transforma o público.
Quando se vê um grande espetáculo, se volta para casa diferente.
A arte é um ponto de junção entre
o real e o transcendental.
Folha - Reduzindo o assunto ao limite: o que significa a dança para o
sr.?
Béjart - Sempre fui bailarino, comecei muito cedo e com várias dificuldades. Todo dinheiro que ganho com a dança devolvo à dança.
Não posso separar a dança da minha vida. Não é a vida ao lado da
dança; eu danço, isso é tudo. Depois a vida segue -não é outra
coisa que a dança.
Texto Anterior: Personalidade: Fundadora da revista "Kultura" morre aos 92 Próximo Texto: Márcia Haydée aprende a ser atriz Índice
|