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São Paulo, segunda-feira, 23 de junho de 2003

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BALÉ

Coreógrafo traz ao país sua nova companhia e conta com Márcia Haydée

"A vida sem a dança não me interessa", afirma Béjart

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Maurice Béjart, 76, nome associado à revolução da dança na década de 50, continua ativo e disposto a novas empreitadas. Sua coreografia "Madre Teresa e as Crianças do Mundo" (2002) marca o início da Compagnie M., que estará em turnê pelo Brasil a partir desta semana, com participação de uma grande estrela da dança brasileira, Márcia Haydée.
Béjart iniciou esse grupo de jovens recém-formados na sua própria escola, a Rudra, com a intenção de aproveitar um número maior de talentos -já que o Béjart Ballet Lausanne não tem como absorver mais do que dois ou três novos integrantes por ano.
Pelos gestos, pela música, pelas palavras, Béjart desde sempre quer exprimir a humanidade no homem; e seus movimentos vêm carregados de teatralidade.
Em 1955, na "Symphonie pour un Homme Seul", seu primeiro grande sucesso, com música concreta de Pierre Schaeffer e Pierre Henry, Béjart já tratava dos tormentos e fracassos da alma. Com a criação da "Sagração da Primavera" (1959), foi consagrado internacionalmente.
Esse triunfo levou à fundação do Ballet do Século 20, em Bruxelas, em 1960. A partir do ano de 1987, a companhia se muda para a Suíça, rebatizada de Béjart Ballet Lausanne.
Béjart transformou a imagem do bailarino: "Uma presença carnal e jovem" na cena -com todo excesso que essa abertura possa sugerir. Ao tratar diretamente das realidades de sua época, por meio de uma dança multicultural, conquistou um público enorme e fiel.
Continua seguindo seu caminho. Em "Madre Teresa...", as músicas vão de cantos folclóricos do Rajastão a composições de Hugues le Bars, passando por Bach, Mozart e música pop, dançadas por bailarinos de várias nacionalidades. Para o próximo ano, Béjart foi convidado pelo governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima, a criar um balé inspirado na cultura do Nordeste.
Veja abaixo trechos de sua entrevista exclusiva para a Folha, por telefone, de Lausanne.

Folha - Qual o aspecto principal da nova coreografia?
Maurice Béjart -
São mensagens de amor, de humanidade, para ajudar um pouco este mundo, que hoje está... a grande merda que se sabe. São idéias de Madre Teresa, ditas por Márcia Haydée, encontrando jovens do mundo todo. A coreografia é influenciada por essa variedade cultural. Sempre seguindo o pensamento de Madre Teresa, que não distingue nacionalidades -o que importa são as pessoas.

Folha - Como o senhor vê o papel da religião no mundo hoje?
Béjart -
O mundo está catastrófico, precisamos crer em alguma coisa. Não sou por essa ou aquela religião. Mas o homem que não pensa que há algo além do ser humano está perdido. O materialismo é a perda do ser humano.

Folha - O que significa a letra M do nome da companhia?
Béjart -
A letra M me lembra de muitas coisas importantes: meu nome, a música, Márcia (que contribuiu muito na coreografia), Madre Teresa. Lembra coisas que amo. E seu som, em francês, é de amor, "aimer" [amar].

Folha - Como o sr. vê a participação de Haydée na coreografia?
Béjart -
Para os jovens intérpretes é muito importante contracenar com alguém com tanta experiência quanto Márcia. É formidável ver como transforma sua carreira, sempre muito forte, cada vez de maneira diferente. Nessa coreografia, ela não é a estrela que foi quando dançou no Stuttgart Ballet: é uma mulher que adora crianças.

Folha - Como o sr. concilia as atividades do Béjart Ballet Lausanne com as do novo grupo?
Béjart -
Trabalho todo o tempo. Não posso acompanhar as turnês dos grupos. Mas, de qualquer maneira, meu trabalho é no estúdio com os bailarinos. Acordo, vou para o estúdio, ensaio; à noite, assisto aos balés que criei. Não posso separar minha vida da dança. A vida sem a dança não me interessa. Se não danço, morro.

Folha - O que o sr. acredita ser mais importante na formação de um bailarino?
Béjart -
Conhecer a vida e ao mesmo tempo ter grandes possibilidades técnicas. Como um esportista. O bailarino é um esportista filósofo. Precisa trabalhar seu corpo e entender ao mesmo tempo o que se passa na vida, os problemas que estamos vivendo.

Folha - O sr. costuma dizer que a dança é a mais essencial das artes, porque após o espetáculo "não resta nada". Poderia comentar essa afirmação?
Béjart -
Só "resta" alguma coisa quando se transforma o público. Quando se vê um grande espetáculo, se volta para casa diferente. A arte é um ponto de junção entre o real e o transcendental.

Folha - Reduzindo o assunto ao limite: o que significa a dança para o sr.?
Béjart -
Sempre fui bailarino, comecei muito cedo e com várias dificuldades. Todo dinheiro que ganho com a dança devolvo à dança. Não posso separar a dança da minha vida. Não é a vida ao lado da dança; eu danço, isso é tudo. Depois a vida segue -não é outra coisa que a dança.


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