São Paulo, Sexta-feira, 23 de Julho de 1999
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Marília embala público

da Reportagem Local

Marília Pêra, dias depois da apresentação vista pelo crítico, comentou em entrevista ter buscado, naquele domingo especificamente, interpretar "O Altar do Incenso" como "Esperando Godot". Em sua personagem, Rebeca, mulher de subúrbio presa no cotidiano caseiro com o marido aposentado, ela foi, naquele dia, Estragon -um dos dois clowns da peça becketiana.
Foi Estragon, como foi também o Magro (do Gordo), o Primeiro Coveiro (de "Hamlet"): todos os grandes arlequins que renascem em dupla, desde sempre. Magra, sapato sem salto, roupão, Marília Pêra parecia poder seguir no personagem por todo o sempre, tal a sua alegria.
Diante de um Gracindo Jr. sem o menor temor de fazer o "escada" das melhores duplas, tornando seu Isaque um Vladimir becketiano, também ele, a atriz se confirmou a herdeira do mito da diva do teatro brasileiro.
Num pequeno detalhe, um sorriso da atriz, sentada em silêncio, sorriso aliás sem maior justificação no contexto, dela consigo mesma, Marília Pêra derrubou a resistência do público logo de cara e deflagrou uma comunhão que seguiu por mais de uma hora de apresentação.
Pareceu, por vezes, deixar as marcas. Levantava a saia para o marido, jogava-se sobre ele, ria e ria. É raro ver um descontrole tal da interpretação, sem perder minimamente a atenção do espectador ou a linha de ação. Pelo contrário, com mínimos gestos, olhares, fazia-se seguir pelo público.
O texto de Wilson Sayão é surpreendente. Na aparência, pouco ou nada acontece -e o pouco que acontece soa externo à peça, até desnecessário.
Mas naquele nada cotidiano de Rebeca e Isaque, com seu temor suburbano de tudo o que vem de fora da casa, o casal se delicia. Para dois solitários, que envelheceram sem filhos, sufocando um ao outro, frustrando sonhos, morrendo aos poucos, eles são felizes.
É o que escapa aos poucos da peça de Sayão, de seus personagens clownescos. Como Estragon e Vladimir, Rebeca e Isaque esperam que algo aconteça, provavelmente a morte. Mas têm um ao outro, o que não é pouco. (NS)


Avaliação:    


Peça: O Altar do Incenso
Autor: Wilson Sayão
Direção: Moacir Chaves
Com: Marília Pêra, Gracindo Júnior e Augusto Madeira
Quando: qui a sáb, às 21h; dom, às 19h Onde: teatro Alfa (r. Bento Branco de Andrade Filho, 722, tel. 0/xx/11/5693-4000)
Quanto: R$ 20 a R$ 40


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