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Marília embala público
da Reportagem Local
Marília Pêra, dias depois da
apresentação vista pelo crítico,
comentou em entrevista ter buscado, naquele domingo especificamente, interpretar "O Altar do
Incenso" como "Esperando Godot". Em sua personagem, Rebeca, mulher de subúrbio presa no
cotidiano caseiro com o marido
aposentado, ela foi, naquele dia,
Estragon -um dos dois clowns
da peça becketiana.
Foi Estragon, como foi também
o Magro (do Gordo), o Primeiro
Coveiro (de "Hamlet"): todos os
grandes arlequins que renascem
em dupla, desde sempre. Magra,
sapato sem salto, roupão, Marília
Pêra parecia poder seguir no personagem por todo o sempre, tal a
sua alegria.
Diante de um Gracindo Jr. sem
o menor temor de fazer o "escada" das melhores duplas, tornando seu Isaque um Vladimir becketiano, também ele, a atriz se
confirmou a herdeira do mito da
diva do teatro brasileiro.
Num pequeno detalhe, um sorriso da atriz, sentada em silêncio,
sorriso aliás sem maior justificação no contexto, dela consigo
mesma, Marília Pêra derrubou a
resistência do público logo de cara e deflagrou uma comunhão
que seguiu por mais de uma hora
de apresentação.
Pareceu, por vezes, deixar as
marcas. Levantava a saia para o
marido, jogava-se sobre ele, ria e
ria. É raro ver um descontrole tal
da interpretação, sem perder minimamente a atenção do espectador ou a linha de ação. Pelo contrário, com mínimos gestos, olhares, fazia-se seguir pelo público.
O texto de Wilson Sayão é surpreendente. Na aparência, pouco
ou nada acontece -e o pouco
que acontece soa externo à peça,
até desnecessário.
Mas naquele nada cotidiano de
Rebeca e Isaque, com seu temor
suburbano de tudo o que vem de
fora da casa, o casal se delicia. Para dois solitários, que envelheceram sem filhos, sufocando um ao
outro, frustrando sonhos, morrendo aos poucos, eles são felizes.
É o que escapa aos poucos da
peça de Sayão, de seus personagens clownescos. Como Estragon
e Vladimir, Rebeca e Isaque esperam que algo aconteça, provavelmente a morte. Mas têm um ao
outro, o que não é pouco.
(NS)
Avaliação:
Peça: O Altar do Incenso
Autor: Wilson Sayão
Direção: Moacir Chaves
Com: Marília Pêra, Gracindo Júnior e
Augusto Madeira
Quando: qui a sáb, às 21h; dom, às 19h
Onde: teatro Alfa (r. Bento Branco de
Andrade Filho, 722, tel. 0/xx/11/5693-4000)
Quanto: R$ 20 a R$ 40
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