São Paulo, quarta-feira, 23 de agosto de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MARCELO COELHO
O conservadorismo do eleitorado paulistano é detestável

Uma das coisas que mais me irritam, nas campanhas pela Prefeitura de São Paulo -nem falo do horário eleitoral, que seria chover no molhado-, é a obrigação que todo candidato tem de declarar seu "amor" pela cidade. Reconheço que não poderia ser de outro modo: se fulano quer ser prefeito, é porque "ama" São Paulo, sua "gente", sua grandeza etc.
Amar São Paulo? Como? Uma das cidades mais inabitáveis do planeta... Claro que pode ser melhorada, mas fico pensando se o discurso da esperança, do bem, das creches e das áreas verdes, repercute de fato junto ao público.
Aqui, vive-se e vota-se com raiva. O repúdio a Celso Pitta e à maioria dos atuais vereadores mobiliza o eleitorado para as candidaturas de esquerda -mas não sei se esse apoio significa uma aposta "no social", em estratégias solidárias e participativas de administração.
Antes que num mundo "bonzinho", investe-se na chique e cortante autoridade de Marta Suplicy ou no sólido prosaísmo de Luiza Erundina, como reação à imoralidade e à incompetência. Reação, sem dúvida -mas um tanto raivosa, certamente antiutópica, muito pouco "de esquerda". Pelas pesquisas já se verifica, aliás, que, entre os eleitores do PT ou do PSB, é grande o peso conservador.
Com toda sua cavalar demagogia em torno da "segurança", é a propaganda de Maluf a que reflete melhor esse estado de espírito sombrio, vingativo, policialesco e violento de parte do eleitorado.
É como se o eleitor malufista votasse nele sabendo que se trata de uma péssima opção. "Os políticos são todos iguais", argumenta. O raciocínio é insustentável: se são todos iguais, por que precisamente escolher Maluf?
Mas não é nisso que o eleitor de Maluf está pensando. Reconhece nas maiores mentiras do candidato um fundo involuntário de verdade. A existência de Maluf, a insistência de Maluf, as eventuais vitórias de Maluf comprovam a crença do eleitor. Vota em Maluf porque ele lhe dá razão: "Não disse? A política é uma imundície".
Ou então, o sujeito não vota em Maluf; quer Marta, Erundina ou Alckmin. Sem dúvida, depois de Pitta, há grande chance de melhorar alguma coisa na cidade. Mas -trata-se apenas de uma suposição de minha parte- o discurso da "melhoria", o refrão de que "São Paulo vai mudar", tem menos apelo e é menos realista do que a necessidade imediata, enfática, visceral de mostrar indignação.
Sábado passado estive na Pinacoteca. O dia estava muito bonito. Abriram um café no andar térreo, todo com vidros bisotê. Nas paredes, contrastando com o ar belle époque, havia grandes fotos de insetos, dentre os quais se destacava uma centopéia nojentíssima.
Mas a centopéia atraiu poucos instantes a minha atenção, porque logo em seguida percebi que a saída do café dava diretamente para o jardim da Luz. E aquela antiquíssima praça pública, onde ficam os mendigos mais... mendigos da cidade, virou um museu de esculturas ao ar livre.
Passeei por ali, duvidando do meu próprio encantamento. A estação da Luz, com tijolinhos vermelhos, parecia daquela distância o brinquedo de uma criança gigantesca. Havia um laguinho com repuxo, brilhando no sol frio.
Olhando do ângulo certo, é como se nada daquilo fosse São Paulo, mas sim uma cidade européia de porte médio, meio desajeitada e provinciana, mas civilizada e cultural. Trata-se da famosa revitalização do centro da cidade, que já tinha na sala de concertos da estação Júlio Prestes, ali perto, um expressivo monumento. Puxa! Dava vontade de tirar fotos, de convidar turistas estrangeiros, de sair falando sueco ou dinamarquês.
Do meu ponto de vista, isto é, pensando no meu interesse "cultural", não tenho nada a criticar. Ao contrário, adorei. Os mendigos, os desempregados, ainda estão lá. Por enquanto, é tudo desigual e democrático.
Mas desconfio de que essa "revitalização" do centro nada mais é do que a reocupação burguesa da área. "Centralidade em São Paulo", livro do antropólogo Heitor Frúgoli (ed. Cortez/Fapesp), trata do assunto. Sei que os shoppings e os megateatros do gênero Credicard Hall e Alfa andavam ficando sem graça. Vamos construindo um cenário europeu. Só falta expulsar os pobres.
Melhorar a cidade, torná-la agradável? Vi no parque da Luz que isso é possível numa área restrita, como espécie de utopia pós-moderna, ou seja, algo consciente da própria falsidade turística, cenográfica.
As boas iniciativas urbanas, as coisas civilizadas e bonitas, a fraseologia dos parques e da cultura -gosto disso tudo- parecem mais do que nunca derrisórias e aberrantes; faz sentido, embora seja detestável, que os excluídos da festa se entusiasmem com a Rota, com o Minhocão, com vereadores analfabetos e corruptos.


Texto Anterior: Cinema nacional recebe R$ 20 mi
Próximo Texto: Museu: Máscaras ajudam MAM a comprar obras
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.