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MARCELO COELHO
O conservadorismo do eleitorado paulistano é detestável
Uma das coisas que mais
me irritam, nas campanhas
pela Prefeitura de São Paulo
-nem falo do horário eleitoral,
que seria chover no molhado-, é
a obrigação que todo candidato
tem de declarar seu "amor" pela
cidade. Reconheço que não poderia ser de outro modo: se fulano
quer ser prefeito, é porque "ama"
São Paulo, sua "gente", sua grandeza etc.
Amar São Paulo? Como? Uma
das cidades mais inabitáveis do
planeta... Claro que pode ser melhorada, mas fico pensando se o
discurso da esperança, do bem,
das creches e das áreas verdes, repercute de fato junto ao público.
Aqui, vive-se e vota-se com raiva. O repúdio a Celso Pitta e à
maioria dos atuais vereadores
mobiliza o eleitorado para as
candidaturas de esquerda -mas
não sei se esse apoio significa uma
aposta "no social", em estratégias
solidárias e participativas de administração.
Antes que num mundo "bonzinho", investe-se na chique e cortante autoridade de Marta Suplicy ou no sólido prosaísmo de
Luiza Erundina, como reação à
imoralidade e à incompetência.
Reação, sem dúvida -mas um
tanto raivosa, certamente antiutópica, muito pouco "de esquerda". Pelas pesquisas já se verifica,
aliás, que, entre os eleitores do PT
ou do PSB, é grande o peso conservador.
Com toda sua cavalar demagogia em torno da "segurança", é a
propaganda de Maluf a que reflete melhor esse estado de espírito
sombrio, vingativo, policialesco e
violento de parte do eleitorado.
É como se o eleitor malufista votasse nele sabendo que se trata de
uma péssima opção. "Os políticos
são todos iguais", argumenta. O
raciocínio é insustentável: se são
todos iguais, por que precisamente escolher Maluf?
Mas não é nisso que o eleitor de
Maluf está pensando. Reconhece
nas maiores mentiras do candidato um fundo involuntário de
verdade. A existência de Maluf, a
insistência de Maluf, as eventuais
vitórias de Maluf comprovam a
crença do eleitor. Vota em Maluf
porque ele lhe dá razão: "Não disse? A política é uma imundície".
Ou então, o sujeito não vota em
Maluf; quer Marta, Erundina ou
Alckmin. Sem dúvida, depois de
Pitta, há grande chance de melhorar alguma coisa na cidade.
Mas -trata-se apenas de uma
suposição de minha parte- o
discurso da "melhoria", o refrão
de que "São Paulo vai mudar",
tem menos apelo e é menos realista do que a necessidade imediata,
enfática, visceral de mostrar indignação.
Sábado passado estive na Pinacoteca. O dia estava muito bonito.
Abriram um café no andar térreo,
todo com vidros bisotê. Nas paredes, contrastando com o ar belle
époque, havia grandes fotos de insetos, dentre os quais se destacava
uma centopéia nojentíssima.
Mas a centopéia atraiu poucos
instantes a minha atenção, porque logo em seguida percebi que a
saída do café dava diretamente
para o jardim da Luz. E aquela
antiquíssima praça pública, onde
ficam os mendigos mais... mendigos da cidade, virou um museu de
esculturas ao ar livre.
Passeei por ali, duvidando do
meu próprio encantamento. A estação da Luz, com tijolinhos vermelhos, parecia daquela distância o brinquedo de uma criança
gigantesca. Havia um laguinho
com repuxo, brilhando no sol frio.
Olhando do ângulo certo, é como se nada daquilo fosse São
Paulo, mas sim uma cidade européia de porte médio, meio desajeitada e provinciana, mas civilizada e cultural. Trata-se da famosa
revitalização do centro da cidade,
que já tinha na sala de concertos
da estação Júlio Prestes, ali perto,
um expressivo monumento. Puxa! Dava vontade de tirar fotos,
de convidar turistas estrangeiros,
de sair falando sueco ou dinamarquês.
Do meu ponto de vista, isto é,
pensando no meu interesse "cultural", não tenho nada a criticar.
Ao contrário, adorei. Os mendigos, os desempregados, ainda estão lá. Por enquanto, é tudo desigual e democrático.
Mas desconfio de que essa "revitalização" do centro nada mais é
do que a reocupação burguesa da
área. "Centralidade em São Paulo", livro do antropólogo Heitor
Frúgoli (ed. Cortez/Fapesp), trata
do assunto. Sei que os shoppings e
os megateatros do gênero Credicard Hall e Alfa andavam ficando
sem graça. Vamos construindo
um cenário europeu. Só falta expulsar os pobres.
Melhorar a cidade, torná-la
agradável? Vi no parque da Luz
que isso é possível numa área restrita, como espécie de utopia pós-moderna, ou seja, algo consciente
da própria falsidade turística, cenográfica.
As boas iniciativas urbanas, as
coisas civilizadas e bonitas, a fraseologia dos parques e da cultura
-gosto disso tudo- parecem
mais do que nunca derrisórias e
aberrantes; faz sentido, embora
seja detestável, que os excluídos
da festa se entusiasmem com a
Rota, com o Minhocão, com vereadores analfabetos e corruptos.
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