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São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 2003

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"Passamos para um apartheid de classes"

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Integrante do fórum de debates sobre arquitetura que acontece paralelamente à Bienal, Henning Rasmuss esteve em São Paulo e concedeu à Folha a entrevista a seguir. (JM)
 

Folha - Como os urbanistas e arquitetos estão enfrentando o desafio de reintegrar a cidade de Johannesburgo?
Henning Rasmuss -
Mudanças em arquitetura acontecem muito devagar e ainda não se fizeram sentir, porque, antes de se poder fazer arquitetura, é preciso construir infra-estrutura, mudar as leis, mudar a malha na qual a arquitetura acontece, então as mudanças mais importantes têm sido em termos legais e de urbanismo, como é o caso do Kliptown Renewal Project, em Soweto, que está criando conexões entre os vazios que a história nos deixou.

Folha - Em São Paulo transparece no urbanismo e na arquitetura uma segregação econômica. Você vê paralelos entre as duas cidades?
Rasmuss -
Certamente. A principal coisa que o Brasil e a África do Sul têm em comum é que têm o mesmo declive entre ricos e pobres, portanto, ainda que pareçam diferentes na superfície, a estrutura da sociedade, eu penso, é a mesma. De alguma forma nós passamos de um apartheid racial para um apartheid de classe, nossas cidades não discriminam necessariamente menos agora; claro que temos leis diferentes que possibilitam que as pessoas tenham mais liberdade, mas nós também temos bairros protegidos, ilhas urbanas onde os ricos vivem.
Este não é um bom modelo, mesmo que ele faça sentido comercialmente para empreendedores. O fato de as pessoas fecharem ruas nos subúrbios e as controlarem com sistemas de segurança é doentio, porque você não pode transitar na sua própria cidade. Isso pode resolver um problema agora, mas em 20 anos que tipo de cidade teremos feito?

Folha - Outro ponto de contato entre as duas cidades é o déficit habitacional, ambas têm de lidar com ocupações ilegais e favelas...
Rasmuss -
Em Johannesburgo, a política é de proativamente melhorar as áreas irregulares. Existe um sistema em funcionamento que prevê que onde existe a ocorrência de favelas, o Estado dá assistência, transforma esses lugares em comunidades, não tenta remover as pessoas. No centro da cidade o problema é mais sério porque os moradores que são retirados de edifícios ocupados ilegalmente têm de ser levados para algum lugar, então existem alguns acampamentos temporários, mas em geral as pessoas não ficam lá porque são mal localizados.

Folha - Com toda esta ênfase no aspecto social da arquitetura, você defende o fim da estetização?
Rasmuss -
Eu acho que arquitetura tem mais a ver com o propósito ético por trás do projeto, com dar ao trabalho integridade, seja social, cultural, arquitetural. Não que estética não seja um elemento importante, mas quando se fala em arquitetura sul-africana, a maneira como as pessoas vivem é o mais importante e é exatamente isso que tem sido negligenciado.

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