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"Passamos para um apartheid de classes"
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Integrante do fórum de debates
sobre arquitetura que acontece
paralelamente à Bienal, Henning
Rasmuss esteve em São Paulo e
concedeu à Folha a entrevista a
seguir.
(JM)
Folha - Como os urbanistas e arquitetos estão enfrentando o desafio de reintegrar a cidade de Johannesburgo?
Henning Rasmuss - Mudanças
em arquitetura acontecem muito
devagar e ainda não se fizeram
sentir, porque, antes de se poder
fazer arquitetura, é preciso construir infra-estrutura, mudar as
leis, mudar a malha na qual a arquitetura acontece, então as mudanças mais importantes têm sido em termos legais e de urbanismo, como é o caso do Kliptown
Renewal Project, em Soweto, que
está criando conexões entre os vazios que a história nos deixou.
Folha - Em São Paulo transparece
no urbanismo e na arquitetura
uma segregação econômica. Você
vê paralelos entre as duas cidades?
Rasmuss - Certamente. A principal coisa que o Brasil e a África do
Sul têm em comum é que têm o
mesmo declive entre ricos e pobres, portanto, ainda que pareçam diferentes na superfície, a estrutura da sociedade, eu penso, é a
mesma. De alguma forma nós
passamos de um apartheid racial
para um apartheid de classe, nossas cidades não discriminam necessariamente menos agora; claro
que temos leis diferentes que possibilitam que as pessoas tenham
mais liberdade, mas nós também
temos bairros protegidos, ilhas
urbanas onde os ricos vivem.
Este não é um bom modelo,
mesmo que ele faça sentido comercialmente para empreendedores. O fato de as pessoas fecharem ruas nos subúrbios e as controlarem com sistemas de segurança é doentio, porque você não
pode transitar na sua própria cidade. Isso pode resolver um problema agora, mas em 20 anos que
tipo de cidade teremos feito?
Folha - Outro ponto de contato
entre as duas cidades é o déficit habitacional, ambas têm de lidar com
ocupações ilegais e favelas...
Rasmuss - Em Johannesburgo, a
política é de proativamente melhorar as áreas irregulares. Existe
um sistema em funcionamento
que prevê que onde existe a ocorrência de favelas, o Estado dá assistência, transforma esses lugares em comunidades, não tenta
remover as pessoas. No centro da
cidade o problema é mais sério
porque os moradores que são retirados de edifícios ocupados ilegalmente têm de ser levados para
algum lugar, então existem alguns
acampamentos temporários, mas
em geral as pessoas não ficam lá
porque são mal localizados.
Folha - Com toda esta ênfase no
aspecto social da arquitetura, você
defende o fim da estetização?
Rasmuss - Eu acho que arquitetura tem mais a ver com o propósito ético por trás do projeto, com
dar ao trabalho integridade, seja
social, cultural, arquitetural. Não
que estética não seja um elemento
importante, mas quando se fala
em arquitetura sul-africana, a maneira como as pessoas vivem é o
mais importante e é exatamente
isso que tem sido negligenciado.
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